
CARTA
ENCÍCLICA "MYSTICI
CORPORIS"
DE
SUA SANTIDADE
O
PAPA PIO XII
SOBRE
O CORPO MÍSTICO DE JESUS CRISTO
E NOSSA UNIÃO NELE COM CRISTO
Aos Veneráveis Irmãos Patriarcas,
Primazes, Arcebispos, Bispos e demais
Ordinários em paz e comunhão com a Sé Apostólica
INTRODUÇÃO
1. A doutrina do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja (cf.
Cl 1,24), recebida dos lábios do próprio Redentor e que põe na devida luz o
grande e nunca assaz celebrado benefício da nossa íntima união com tão
excelsa Cabeça, é de sua natureza tão grandiosa e sublime que convida à
contemplação todos aqueles a quem move o Espírito de Deus; e, iluminando as
suas inteligências, incita-os eficazmente a obras salutares, consentâneas
com a mesma doutrina. Por isso resolvemos entreter-nos convosco sobre tão
relevante assunto, expondo e explicando principalmente a parte relativa à
Igreja militante. Move-nos a fazê-lo não só a excepcional importância da
doutrina, mas também as circunstâncias atuais da humanidade.
Propomo-nos, pois, falar das riquezas entesouradas no seio da
Igreja que Cristo adquiriu com seu sangue (At 20, 28) e cujos membros se
gloriam de uma Cabeça coroada de espinhos. Isto mesmo já é prova evidente
de que a verdadeira glória e grandeza não nascem senão da dor; por isso nós
quando compartilhamos dos sofrimentos de Cristo, devemos alegrar-nos, para
que também na renovação da sua glória jubilemos e exultemos (cf. 1Pd 4,13).
3, E para começar, note-se que assim como o Redentor do gênero
humano foi perseguido, caluniado, atormentado por aqueles mesmos que vinha
salvar, assim a sociedade por ele fundada também neste ponto se parece com
o divino Fundador. Com efeito, ainda que não neguemos, antes gostosamente e
bendizendo a Deus confessemos, que também nestes tempos tão agitados há
muitos que, embora separados do redil de Cristo, olham para a Igreja como
para o único porto de salvação, contudo não ignoramos que a Igreja de Deus não
só é soberbamente desprezada e perseguida por aqueles que, menoscabada a
luz da sabedoria cristã, voltam miseramente às doutrinas, usos e costumes
do antigo paganismo, mas freqüentemente é desconhecida, descurada,
aborrecida por muitos cristãos, que se deixam seduzir pelas aparências,
falsas doutrinas, ou arrastar pelos atrativos e corrupção do mundo. É por
isso que Nós, veneráveis irmãos, obedecendo à voz da nossa própria
consciência, vamos expor à vista de todos e celebrar a beleza, louvores e
glória da santa madre Igreja, a quem depois de Deus tudo devemos.
4. Confiamos que estes nossos pensamentos e exortações, em
conseqüência das atuais circunstâncias, produzirão os mais copiosos frutos
nos fiéis; porquanto sabemos que os infinitos trabalhos e sofrimentos desta
nossa tempestuosa idade que tão terrivelmente torturam gente sem número, se
forem recebidos serena e resignadamente da mão de Deus, converterão como
que naturalmente os corações dos bens caducos da terra aos bens celestes e
eternos, e despertarão neles uma sede misteriosa das coisas espirituais e
um desejo ardente que, sob o impulso do Espírito Santo, os mova e quase
force a procurar com mais diligência o reino de Deus. O homem, quanto mais
se desprende das vaidades do mundo e do amor desordenado dos bens
presentes, tanto mais se dispõe para perceber a luz dos mistérios celestes.
Ora, talvez nunca a vaidade e inanidade das coisas da terra se manifestou
mais eloqüentemente que hoje, quando desabam reinos e nações, quando os
abismos dos vastos oceanos engolem imensas riquezas e tesouros de toda a
espécie, quando cidades e vilas e férteis campos se cobrem de imensas
ruínas e se mancham de sangue fraterno.
5. Confiamos ainda que o que vamos expor sobre o Corpo Místico
de Cristo não será desagradável nem inútil aos que vivem fora do seio da
Igreja católica. E isto, não só porque a sua benevolência para com a Igreja
parece aumentar de dia para dia, senão também porque vendo eles atualmente
como as nações se erguem contra as nações e os reinos contra os reinos, e
crescem indefinidamente as discórdias, os antagonismos e as sementeiras do
ódio, se volverem os olhos para a Igreja, se contemplarem a sua unidade de
origem divina, por virtude da qual os homens de todas as nacionalidades se
unem a Cristo com vínculos fraternos, então sem dúvida ver-se-ão forçados a
admirar uma tal sociedade de amor e sentir-seão atraídos com o auxílio da
graça a participar da mesma unidade e caridade.
6. Há ainda uma razão especial e suavíssima pela qual nos
ocorreu ao espírito e grandemente nos deleita esta doutrina. Durante o
passado ano, XXV do nosso episcopado, pudemos com grandíssima consolação
contemplar um espetáculo que luminosa e expressivamente fez resplandecer a
imagem do corpo místico de Cristo em todas as cinco partes do mundo. Nesse
sentido, apesar dessa interminável guerra de extermínio ter destruído
miseramente a fraterna comunidade dos povos, por toda parte, onde temos
filhos em Cristo, todos com uma só vontade e amor - refletindo em si as
preocupações e ansiedades de todos -, elevavam o pensamento e o coração
para o Pai comum, que governa em tempos tão adversos a nau da Igreja
católica. Esse espetáculo não só demonstra a admirável unidade da família
cristã, mas atesta também que assim como nós com amor paterno abraçamos os
povos de todas as nações, assim também os católicos de todo o mundo, embora
pertencentes a povos que se guerreiam mutuamente, olham para o vigário de
Cristo como para o pai amantíssimo de todos que, mantendo perfeito
equilíbrio entre ambas as partes contendentes e guiando-se por perfeita
retidão de juízo, superior a todas as tempestades das perturbações humanas,
recomenda e defende com todas as forças a verdade, a justiça, a caridade.
7. Também não foi menor a nossa consolação ao sabermos a boa
vontade com que espontaneamente fora oferecida e reunida uma quantia para
levantar na Cidade eterna um templo em honra do nosso predecessor e santo
do nosso nome, Eugênio I. Ora como esse templo, levantado por desejo e com
o óbolo dos fiéis, conservará perene a memória deste faustíssimo
acontecimento, assim desejamos dar um atestado da nossa gratidão nesta
encíclica onde precisamente se trata das pedras vivas que, colocadas sobre a
pedra angular que é Cristo, formam o templo santo, muito mais sublime que
qualquer templo material, isto é, a morada de Deus no Espírito (Cf. Ef
2,21-22;1Pd 2,5).
8. Mas a causa principal que nos leva a tratar agora assaz
difusamente desta excelsa doutrina é a nossa solicitude pastoral. É verdade
que muito se tem escrito sobre este argumento; nem ignoramos que hoje não
poucos se dão com grande empenho a estes estudos, com os quais também se
deleita e nutre a piedade cristã. Este movimento parece dever-se ao
renovado estudo da sagrada liturgia, a maior freqüência da mesa
eucarística, e finalmente ao culto mais intensificado do sacratíssimo
Coração de Jesus de que hoje gozamos por vê-lo mais difundido; tudo isso
moveu muitos a uma mais profunda contemplação das imperscrutáveis riquezas
de Cristo que se conservam na Igreja. Acrescem ainda os documentos sobre a
Ação católica publicados nestes últimos tempos; os quais tornaram mais
estreitos os vínculos dos fiéis entre si e com a hierarquia eclesiástica,
particularmente com o romano pontífice, e contribuíram sem dúvida
grandemente para pôr na devida luz esta doutrina. Todavia se isso que
acabamos de dizer é muito consolador, temos de confessar que não só autores
separados da verdadeira Igreja espalham graves erros nesta matéria, mas que
também entre os fiéis vão serpejando opiniões ou inexatas ou de todo
falsas, que podem desviar os espíritos da reta senda da verdade.
9. De fato, enquanto por um lado perdura o falso racionalismo que
tem por absurdo tudo o que transcende e supera a capacidade da razão
humana, e com ele outro erro parecido, onaturalismo
vulgar que não vê nem quer reconhecer na
Igreja de Cristo senão uma sociedade puramente jurídica; por outro lado
grassa por aí um falso misticismo que perverte as Sagradas Escrituras, pretendendo remover os
limites intangíveis entre as criaturas e o Criador.
10. Ora esses erros entre si opostos fazem que alguns, cheios
de infundado temor, considerem esta sublime doutrina como perigosa e fujam
dela como do fruto do paraíso, belo e proibido. Não; os mistérios revelados
por Deus não podem ser prejudiciais ao homem, nem devem permanecer
infrutíferos como tesouro enterrado no campo; senão que nos foram dados por
Deus, para proveito espiritual dos que piamente os contemplam. Pois como
ensina o Concílio Vaticano "a razão iluminada pela fé, quando indaga
com diligência, piedade e sobriedade, alcança sempre por graça de Deus
alguma inteligência, sempre frutuosíssima, dos mistérios, quer pela
analogia com os conhecimentos naturais, quer pela relação que os mistérios
têm entre si e com o último fim do homem"; embora, como adverte o
mesmo sagrado concílio, "nunca ela chegue a compreender os mistérios
como as verdades que constituem o seu próprio objeto".(1)
11. Portanto, tendo nós maduramente ponderado tudo isso diante
de Deus, para que a incomparável formosura da Igreja resplandeça com nova
glória, para que mais esplendidamente se manifeste a excelsa e sobrenatural
nobreza dos fiéis que no corpo de Cristo se unem à sua cabeça: enfim para
fechar de uma vez a porta a muitos erros que pode haver nesta matéria,
julgamos nosso dever pastoral expor a todo o povo cristão nesta encíclica a
doutrina do corpo místico de Jesus Cristo e da união dos fiéis com o divino
Redentor no mesmo Corpo, e juntamente deduzir desta suavíssima doutrina
alguns ensinamentos, com os quais o maior conhecimento do mistério produza
frutos cada vez mais abundantes de perfeição e santidade.
PRIMEIRA PARTE
A IGREJA CORPO, "MÍSTICO" DE CRISTO
12. Ao meditar este ponto da doutrina católica ocorrem-nos
logo aquelas palavras do Apóstolo: "Onde o pecado avultou,
superabundou a graça" (Rm 5, 20). Sabemos que Deus constituiu o
primeiro progenitor do gênero humano em tão excelsa condição, que com a
vida terrena transmitiria aos seus descendentes a vida sobrenatural da
graça celeste. Mas depois da triste queda de Adão toda a humana linhagem,
infeccionada pela mancha original, perdeu o consórcio da natureza divina
(cf. 2Pd 1, 4) e todos ficamos sendo filhos de ira (Ef 2,3). Deus, porém,
na sua infinita misericórdia "amou tanto ao mundo que lhe deu seu
Filho unigênito" (Jo 3,16); e o Verbo do Eterno Pai, com a mesma
divina caridade, revestiu a natureza humana da descendência de Adão, mas
inocente e imaculada, para que do novo e celeste Adão dimanasse a graça do
Espírito Santo a todos os filhos do primeiro pai; e estes que pelo primeiro
pecado tinham sido privados da filiação adotiva de Deus, pelo Verbo
encarnado, feitos irmãos segundo a carne do Filho unigênito de Deus,
recebessem o poder de virem a ser filhos de Deus (cf. Jo 1,12). E assim
Jesus crucificado não só reparou a justiça do Eterno Pai ofendida, senão
que nos mereceu a nós, seus consangüíneos, inefável abundância de graças.
Essas graças podia ele distribuí-las diretamente por si mesmo a todo o
gênero humano. Quis, porém, comunicá-las por meio da Igreja visível,
formada por homens, afim de que por meio dela todos fossem, em certo modo,
seus colaboradores na distribuição dos divinos frutos da Redenção. E assim
como o Verbo de Deus, para remir os homens com suas dores e tormentos, quis
servir-se da nossa natureza, assim, de modo semelhante, no decurso dos
séculos se serve da Igreja para continuar perenemente a obra começada. (2)
13. Ora, para definir e descrever esta verdadeira Igreja de
Cristo - que é a santa, católica, apostólica Igreja romana (3) - nada há
mais nobre, nem mais excelente, nem mais divino do que o conceito expresso
na denominação "corpo místico de Jesus Cristo"; conceito que
imediatamente resulta de quanto nas Sagradas Escrituras e dos santos Padres
freqüentemente se ensina.
1. A IGREJA É UM
"CORPO"
Corpo único, indiviso,
visível
14. Que a Igreja é um corpo, ensinam-nos muitos passos da
sagrada Escritura: "Cristo, diz o Apóstolo, é a cabeça do corpo da
Igreja" (Cl 1,18). Ora, se a Igreja é um corpo, deve necessariamente
ser um todo sem divisão, segundo aquela sentença de Paulo: "Nós,
muitos, somos um só corpo em Cristo" (Rm 12,5). E não só deve ser um
todo sem divisão, mas também algo concreto e visível, como afirma nosso
predecessor de feliz memória Leão XIII, na encíclica "Satis cognitum": "Pelo fato
mesmo que é um corpo, a Igreja torna-se visível aos olhos". (4) Estão
pois longe da verdade revelada os que imaginam a Igreja por forma, que não
se pode tocar nem ver, mas é apenas, como dizem, uma coisa
"pneumática" que une entre si com vínculo invisível muitas
comunidades cristãs, embora separadas na fé.
15. O corpo requer também multiplicidade de membros, que
unidos entre si se auxiliem mutuamente. E como no nosso corpo mortal,
quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele, e os sãos ajudam os
doentes; assim também na Igreja os membros não vivem cada um para si, mas
socorrem-se e auxiliam-se uns aos outros, tanto para mútua consolação, como
para o crescimento progressivo de todo o Corpo.
Corpo composto
"orgânica" e "hierarquicamente"
16. Mais ainda. Como na natureza não basta qualquer aglomerado
de membros para formar um corpo, mas é preciso que seja dotado de órgãos ou
membros com funções distintas e que estejam unidos em determinada ordem,
assim também a Igreja deve chamar-se corpo sobretudo porque resulta de uma
boa e apropriada proporção e conjunção de partes e é dotada de membros
diversos e unidos entre si. É assim que o Apóstolo descreve a Igreja quando
diz: "como num só corpo temos muitos membros, e os membros não têm
todos a mesma função, assim muitos somos um só corpo de Cristo, e todos e
cada um membros uns dos outros" (Rm 12,4).
17. Não se julgue, porém, que esta bem ordenada e
"orgânica" estrutura do corpo da Igreja se limita unicamente aos
graus da hierarquia; ou, ao contrário, como pretende outra opinião, consta
unicamente de carismáticos, isto é, dos féis enriquecidos de graus extraordinárias,
que nunca hão de faltar na Igreja. E fora de dúvida que todos os que neste
corpo estão investidos de poder sagrado, são membros primários e
principais, já que são eles que, por instituição do próprio Redentor,
perpetuam os ofícios de Cristo doutor, rei e sacerdote. Contudo os santos
Padres, quando celebram os ministérios, graus, profissões, estados, ordens,
deveres deste corpo místico, não consideram só os que têm ordens sacras,
senão também todos aqueles que, observando os conselhos evangélicos, se dão
à vida ativa, à contemplativa, ou à mista, segundo o próprio instituto; bem
como os que, vivendo no século, se consagram ativamente a obras de
misericórdia espirituais ou corporais; e, finalmente, também os que vivem
unidos pelo santo matrimônio. Antes é de notar que, sobretudo nas atuais
circunstâncias, os pais e as mães de família, os padrinhos e madrinhas, e
notadamente todos os seculares que prestam o seu auxílio à hierarquia
eclesiástica na dilatação do reino de Cristo, ocupam um posto honorífico,
embora muitas vezes humilde, na sociedade cristã, e podem muito bem sob a
inspiração e com o favor de Deus subir aos vértices da santidade, que por
promessa de Jesus Cristo nunca faltará na Igreja.
Corpo dotado de órgãos
vitais, isto é, sacramentos
18. E como o corpo humano nos aparece dotado de energias
especiais com que provê à vida, saúde e crescimento seu e de todos os seus
membros, assim o Salvador do gênero humano providenciou admiravelmente ao
seu corpo místico enriquecendo-o de sacramentos, que com uma série
ininterrupta de graças amparam o homem desde o berço até ao último suspiro,
e ao mesmo tempo provêem abundantissimamente às necessidades sociais da
Igreja. Com efeito, pelo Batismo os que nasceram a esta vida mortal, não só
renascem da morte do pecado e são feitos membros da Igreja, senão que,
assinalados com o caráter espiritual, se tornam capazes de receber os
outros dons sagrados. Com a Crisma infunde-se nova força nos féis para
conservarem e defenderem corajosamente a santa madre Igreja e a fé que dela
receberam. Pelo sacramento da Penitência oferece-se aos membros da Igreja
caídos em pecado uma medicina salutar, que serve não só a restituir-lhes a
saúde, mas a preservar os outros membros do corpo místico do perigo de
contágio, e até a dar-lhes estímulo e exemplo de virtude. E não basta. Pela
sagrada Eucaristia alimentam-se e fortificam-se os fiéis com um mesmo
alimento e se unem entre si e a divina Cabeça de todo o Corpo com um
vínculo inefável e divino. Finalmente ao leito dos moribundos acode a
Igreja, mãe compassiva, e com o sacramento da Extrema-unção, se nem sempre
lhes dá a saúde do corpo, por Deus assim o dispor, dá-lhes às almas feridas
a medicina sobrenatural, abre-lhes o céu, onde como novos cidadãos e seus
novos protetores gozarão por toda a eternidade da divina bem-aventurança.
19. As necessidades sociais da Igreja proveu Cristo de modo
especial com dois sacramentos que instituiu: com o Matrimônio em que os
cônjuges são reciprocamente um ao outro ministros da graça, proveu ao
aumento externo e bem ordenado da sociedade cristã; e, o que é ainda mais
importante, à boa e religiosa educação da prole, sem a qual o corpo místico
correria perigo; com a Ordem dedicam-se e consagram-se ao serviço de Deus
os que hão de imolar a Hóstia eucarística, sustentar a grei dos féis com o
Pão dos Anjos e com o alimento da doutrina, dirigi-la com os divinos
mandamentos e conselhos e purüicá-la com o batismo e a penitência, enfim
fortalecê-la com as outras graças celestes.
Corpo formado por membros
determinados
20. E a esse propósito deve notar-se que assim como Deus no
princípio do mundo dotou o homem de um riquíssimo organismo com que pudesse
sujeitar as outras criaturas e multiplicar-se e encher a terra, assim ao
princípio da era cristã proveu a Igreja dos recursos necessários para
vencer perigos quase inumeráveis e povoar não só toda a terra, mas também o
reino dos céus.
21. Como membros da Igreja contam-se realmente só aqueles que
receberam o lavacro da regeneração e professam a verdadeira fé, nem se
separaram voluntariamente do organismo do corpo, ou não foram dele cortados
pela legítima autoridade em razão de culpas gravíssimas. "Todos nós,
diz o Apóstolo, fomos batizados num só Espírito para formar um só Corpo,
judeus ou gentios, escravos ou livres" (lCor 12,13). Portanto como na
verdadeira sociedade dos fiéis há um só corpo, um só Espírito, um só
Senhor, um só batismo, assim não pode haver senão uma só fé (cf. Ef 4,5), e
por isso quem se recusa a ouvir a Igreja, manda o Senhor que seja tido por
gentio e publicano (cf. Mt 18,17). Por conseguinte os que estão entre si
divididos por motivos de fé ou pelo governo, não podem viver neste corpo
único nem do seu único Espírito divino.
22. Não se deve, porém, julgar que já durante o tempo da
peregrinação terrestre, o corpo da Igreja, por isso que leva o nome de
Cristo, consta só de membros com perfeita saúde, ou só dos que de fato são
por Deus predestinados à sempiterna felicidade. Por sua infinita
misericórdia o Salvador não recusa lugar no seu corpo místico àqueles a
quem o não recusou outrora no banquete (Mt 9,11; Mc 2,16; Lc 15,2). Nem
todos os pecados, embora graves, são de sua natureza tais que separem o
homem do corpo da Igreja como fazem os cismas, a heresia e a apostasia. Nem
perdem de todo a vida sobrenatural os que pelo pecado perderam a caridade e
a graça santificante e por isso se tornaram incapazes de mérito
sobrenatural, mas conservam a fé e a esperança cristã, e alumiados pela luz
celeste, são divinamente estimulados com íntimas inspirações e moções do
Espírito Santo ao temor salutar, à oração e ao arrependimento das suas
culpas.
23. Tenha-se, pois, sumo horror ao pecado que mancha os
membros místicos do Redentor; mas o pobre pecador que não se tornou por sua
contumácia indigno da comunhão dos fiéis, seja acolhido com maior amor,
vendo-se nele com caridade operosa um membro enfermo de Jesus Cristo: Pois
que é muito melhor, como nota o bispo de Hipona, "curá-los no corpo da
Igreja, do que amputá-los como membros incuráveis".(5) "Enquanto
o membro está ainda unido ao corpo não há por que desesperar da sua saúde;
uma vez amputado, nem se pode curar, nem se pode sarar".(6)
2. A IGREJA É O CORPO
"DE CRISTO"
24. Temos visto até aqui, veneráveis irmãos, que a Igreja pela
sua constituição se pode assemelhar a um corpo; segue-se que mostremos mais
em particular, por que motivos se deve chamar não um corpo qualquer, mas o
corpo de Jesus Cristo. Deduz-se isto do fato que nosso Senhor é o fundador,
a cabeça, o conservador e salvador deste corpo místico.
a) Cristo foi o
"Fundador" deste corpo
25. Devendo expor brevemente o modo como Cristo fundou o seu
corpo social, acode-nos antes de mais nada esta sentença de nosso
predecessor de feliz memória Leão XIII: "A Igreja, que já concebida,
nascera do lado do segundo Adão, adormecido na cruz, manifestou-se pela
primeira vez à luz do mundo de modo insigne no celebérrimo dia de
Pentecostes".(7) De fato o divino Redentor começou a fábrica do templo
místico da Igreja, quando na sua pregação ensinou os seus mandamentos;
concluiu-a quando, glorificado, pendeu da Cruz; manifestou-a enfim e
promulgou-a quando mandou sobre os discípulos visivelmente o Espírito
paráclito.
26. Durante o seu ministério público escolhia os Apóstolos,
enviando-os como ele próprio tinha sido enviado pelo Pai (Jo 17,18), como
mestres, guias, agentes da santidade na assembléia dos fiéis; designava o
chefe deles e seu vigário em terra (cf. Mt 16,18-19); fazia-lhes conhecer
tudo o que tinha ouvido do Pai (Jo 15,15; 17,8.14); indicava também o
batismo (cf. Jo 3,5) como meio para os que no futuro cressem serem
incorporados no Corpo da Igreja; finalmente chegando ao anoitecer da vida,
durante a última ceia, instituía a Eucaristia, admirável sacrifício e
admirável sacramento.
27. Ter ele consumado no patíbulo da cruz a sua obra,
afirmam-no, numa série ininterrupta de testemunhos, os santos Padres, que
notam ter a Igreja nascido na cruz do lado do Salvador, qual nova Eva, mãe
de todos os viventes (cf. Gn 3,20). "Agora, diz o grande Ambrósio
tratando do lado de Cristo aberto, é ela edificada, agora formada, agora
esculpida, agora criada... Agora é a casa espiritual elevada a sacerdócio
santo".(8) Quem devotamente investigar esta venerável doutrina, poderá
sem dificuldade ver as razões em que ela se funda.
28. E primeiramente com a morte do Redentor, foi abrogada a
antiga Lei e sucedeu-lhe o Novo Testamento; então com o sangue de Cristo
foi sancionada para todo o mundo a Lei de Cristo com seus mistérios, leis,
instituições e ritos sagrados. Enquanto o divino Salvador pregava num
pequeno território - pois que não fora enviado senão às ovelhas perdidas da
casa de Israel (cf. Mt 15,24) - corriam juntos a Lei e o Evangelho,(9)) mas
no patíbulo, onde morreu, anulou a Lei com as suas prescrições (cf. Ef
2,15), afixou a cruz o quirógrafo do Antigo Testamento (cf. Cl 2,14),
estabelecendo, com o sangue, derramado por todo o gênero humano, a Nova
Aliança (cf. Mt 26,28;1Cor 11,25). "Então, diz S. Leão Magno falando
da cruz do Senhor, fez-se a transferência da Lei para o Evangelho, da
Sinagoga para a Igreja, de muitos sacrifícios para uma única hóstia, tão
evidentemente, que ao exalar o Senhor o último suspiro, o místico véu, que
fechava os penetrais do templo e o misterioso santuário, se rasgou
improvisamente de alto a baixo".(10)
29. Portanto na cruz morreu a Lei antiga; dentro em pouco será
sepultada e se tornará mortífera,(11) para ceder o lugar ao Novo
Testamento, para o qual tinha Cristo escolhido ministros idôneos na pessoa
dos apóstolos (cf. 2Cor 3,6): e é pela virtude da cruz que o Salvador,
constituído cabeça de toda a família humana já desde o seio da Virgem,
exerce plenamente o seu múnus de cabeça da Igreja. "Pela vitória da
cruz, segundo o doutor angélico, mereceu o poder e domínio sobre todas as
gentes",(12) por ela enriqueceu imensamente aquele tesouro de graça
que na glória do céu distribui incessantemente aos seus membros mortais;
pelo sangue derramado na cruz fez com que, removido o obstáculo da ira
divina, pudessem todos os dons celestes e em primeiro lugar as graças
espirituais do Novo e Eterno Testamento correr das fontes do Salvador para
a salvação dos homens, sobretudo dos fiéis; enfim na árvore da cruz adquiriu
a sua Igreja, isto é, os membros do seu corpo místico, pois que estes não
seriam a ele incorporados nas águas do batismo, se não fosse pela virtude
salutífera da cruz, onde o Senhor já adquiriu sobre eles domínio
pleníssimo.
30. Se nosso Salvador por sua morte foi feito cabeça da Igreja
no pleno sentido da palavra, igualmente pelo seu sangue foi a Igreja
enriquecida daquela abundantíssima comunicação do Espírito que divinamente
a ilustra desde que o Filho do homem foi elevado e glorificado no seu doloroso
patíbulo. Então como nota santo Agostinho,(13) rasgado o véu do templo, o
orvalho dos dons do Paráclito, que até ali descera somente sobre o velo,
isto é, sobre o povo de Israel, começou deixando o velo enxuto, a regar a
Igreja e abundantemente toda a terra, quer dizer a Igreja católica, que não
conhece fronteira de estirpe ou território. Como no primeiro instante da
encarnação, o Filho do Eterno Pai ornou a natureza humana, consigo
substancialmente unida, com a plenitude do Espírito Santo, para que fosse
apto instrumento da divindade na hora cruenta da redenção; assim na hora da
sua preciosa morte enriqueceu a sua Igreja com mais copiosos dons do
Paráclito, para a tornar válido e perpétuo instrumento do Verbo encarnado
na distribuição dos divinos frutos da redenção. De fato a missão jurídica
da Igreja e o poder de ensinar, governar e administrar os sacramentos não
têm força e vigor sobrenatural para edificar o corpo de Cristo, senão
porque Cristo pendente da cruz abriu à sua Igreja a fonte das divinas
graças com as quais pudesse ensinar aos homens doutrina infalível,
governá-los salutarmente por meio de pastores divinamente iluminados, e
inundá-los com a chuva das graças celestes.
31. Se considerarmos atentamente todos estes mistérios da
cruz, já nos não parecerão obscuras as palavras do Apóstolo, onde ensina
aos Efésios que Cristo com o sangue fez um povo único de judeus e gentios
"destruindo na sua carne a parede interposta", que separava os
dois povos; e que ab-rogou a Antiga Lei "para dos dois formar em si
mesmo um só homem novo", isto é, a Igreja; e a ambos, reunidos num só
Corpo, reconciliar com Deus pela cruz (cf. Ef 2,14-16).
32. A Igreja que com seu sangue fundara, robusteceu-a com
energias especiais descidas do céu, no dia de Pentecostes. Com efeito,
depois de ter solenemente investido no seu ofício aquele que já antes tinha
designado para seu vigário, subiu ao céu; e, sentado à direita do Pai, quis
manifestar e promulgar a sua esposa com a descida visível do Espírito
Santo, com o ruído do vento impetuoso e com as línguas de fogo (cf. At
2,1-4). Como ele próprio ao princípio do seu público ministério tinha sido
manifestado pelo Eterno Pai por meio do Espírito Santo que em figura de
pomba desceu e pousou sobre ele (cf. Lc 3,22; Mc 1,10), assim igualmente
quando os Apóstolos estavam para começar o sagrado ofício de pregar, mandou
Cristo Senhor nosso do céu o seu Espírito que, tocando-os com línguas de
fogo, mostrou, como com o dedo de Deus, a missão e o múnus sobrenatural da
Igreja.
b) Cristo é a
"cabeça" deste corpo
33. Em segundo lugar prova-se que este corpo místico, que é a
Igreja, é realmente distinguido com o nome de Cristo, porque ele deve ser
considerado de fato como sua cabeça. "Ele é, diz S. Paulo, a cabeça do
corpo da Igreja" (Cl 1,18). Ele é a cabeça, da qual todo o corpo
convenientemente organizado e coordenado recebe crescimento e
desenvolvimento na sua edificação (cf. Ef 4,16, com Cl 2,19).
34. Bem sabeis, veneráveis irmãos, com que eloqüência e
esplendor trataram este assunto os doutores escolásticos e principalmente o
Doutor angélico e comum; e não ignorais que os seus argumentos reproduzem
fielmente a doutrina dos santos Padres; os quais, por sua parte, não faziam
senão expor e comentar as sentenças da divina linguagem da Escritura.
35. Queremos, contudo, para comum utilidade tocar aqui
brevemente este ponto. E primeiro é evidente que o Filho de Deus e da
Virgem Santíssima deve chamar-se cabeça da Igreja por motivo de
singularíssima excelência. A cabeça está colocada no alto. Ora quem foi
colocado mais alto do que Cristo-Deus, o qual, como Verbo do Eterno Pai,
deve ser considerado "primogênito de toda a criação"? (Cl 1,15).
Quem, elevado a maior altura do que Cristo-homem, o qual,
nascido da Virgem imaculada, é verdadeiramente e par natureza Filho de
Deus, e por sua prodigiosa e gloriosa ressurreição com que triunfou da
morte, é o "primogênito dos mortos" (Cl 1,18; Ap 1,5). Quem,
finalmente, colocado em maior altura do que aquele que de modo admirável,
qual "único medianeiro entre Deus e os homens" (1Tm 2,5), ajunta
a terra com o céu; que exaltado na cruz, como num trono de misericórdia,
atraiu tudo a si (cf. Jo 12,32); e que, filho do homem eleito entre
milhões, é amado por Deus mais que todos os homens, todos os anjos e todas
as criaturas?(14)
36. E porque Cristo ocupa lugar tão sublime, com razão é ele
só a reger e governar a Igreja; nova razão para se assemelhar à cabeça.
Como a cabeça, para o dizer com as palavras de santo Ambrósio, é "a
cidade real" do corpo,(15) e, sendo dotada de maiores qualidades,
dirige naturalmente todos os membros, aos quais sobrestar para olhar por
eles, (16) assim o divino Redentor empunha o timão e governa toda a
república cristã. Uma vez que governar uma sociedade composta de homens não
é outra coisa do que com útil providência, meios aptos e retas normas
conduzi-los a um fim determinado,(17) é fácil de ver que nosso Salvador,
modelo e exemplar dos bons pastores (cf. Jo 10,1-18;1Pd 5,115), exercita
maravilhosamente todos estes ofícios.
37. Ele na sua vida mortal instruiu-nos com leis, conselhos,
avisos, em palavras que não passarão nunca e para os homens de todos os
tempos serão Espírito e vida (cf. Jo 6,63). Além disso deu aos apóstolos e
seus sucessores o tríplice poder de ensinar, reger e santificar, poder
definido com especiais leis, direitos e deveres, que constituem a lei
fundamental de toda a Igreja.
38. Mas nosso divino Salvador governa e dirige também por si
mesmo e diretamente a sociedade que fundou; pois que ele reina nas
inteligências e corações dos homens e dobra e compele a seu beneplácito as
vontades ainda mais rebeldes. "O coração do rei está na mão do Senhor;
inclinálo-á para onde quiser" (Pr 21,1). Com este governo interno ele,
qual "pastor e bispo das nossas almas" (cf. 1Pd 2,25) não só tem
cuidado de cada um em particular, mas também de toda a Igreja; tanto quando
ilumina e fortalece os sagrados pastores para que fel e frutuosamente se
desempenhem de seus ofícios, como quando - em circunstâncias particularmente
graves - faz surgir no seio da Igreja homens e mulheres de santidade
assinalada, que sejam de exemplo aos outros fiéis, para incremento do seu
corpo místico. Acresce ainda que Cristo do céu vela sempre com particular
amor pela sua esposa intemerata, que labuta neste terrestre exílio; e
quando a vê em perigo, ou por si mesmo, ou pelos seus anjos (cf. At 8,26;
9,119; 10,1-7; 12,3-10), ou por aquela que invocamos como auxílio dos
cristãos, e pelos outros celestes protetores, salva-a das ondas procelosas
e, serenado e abonançado o mar, consola-a com aquela paz "que supera
toda a inteligência" (Fl 4,7).
39. Não se julgue, porém, que o seu governo se limita a uma
ação invisível,(18) ou extraordinária. Ao contrário, o divino Redentor
governa o seu corpo místico de modo visível e ordinário por meio do seu
vigário na terra. Vós bem sabeis, veneráveis irmãos, que Cristo nosso
Senhor, depois de ter, durante a sua carreira mortal, governado
pessoalmente e de modo visível o seu "pequeno rebanho" (Lc
12,32), quando estava para deixar este mundo e voltar ao Pai, confiou ao
príncipe dos apóstolos o governo visível de toda a sociedade que fundara. E
realmente, sapientíssimo como era, não podia deixar sem cabeça visível o
corpo social da Igreja que instituíra. Nem se objete que com o primado de
jurisdição instituído na Igreja ficava o corpo místico com duas cabeças.
Porque Pedro, em força do primado, não é senão vigário de Cristo, e por
isso a cabeça principal deste corpo é uma só: Cristo; o qual, sem deixar de
governar a Igreja misteriosamente por si mesmo, rege-a também de modo
visível por meio daquele que faz as suas vezes na terra; e assim a Igreja,
depois da gloriosa ascensão de Cristo ao céu não está educada só sobre ele,
senão também sobre Pedro, como fundamento visível. Que Cristo e o seu
vigário formam uma só cabeça ensinou-o solenemente nosso predecessor de
imortal memória Bonifácio VIII, na carta apostólica "Unam Sanctam"(19) e seus
sucessores não cessaram nunca de o repetir.
40. Em erro perigoso estão, pois, aqueles que julgam poder
unir-se a Cristo, cabeça da Igreja, sem aderirem fielmente ao seu vigário
na terra. Suprimida a cabeça visível e rompidos os vínculos visíveis da
unidade, obscurecem e deformam de tal maneira o corpo místico do Redentor,
que não pode ser visto nem encontrado de quantos demandam o porto da eterna
salvação.
41. Tudo o que dissemos da Igreja universal deve afirmar-se
igualmente das comunidades cristãs particulares, assim orientais como
latinas, das quais consta e se compõe uma só Igreja católica; por isso que
também a elas governa Jesus Cristo por meio da voz e autoridade dos
respectivos prelados. Os bispos não só devem ser considerados como membros
mais eminentes da Igreja universal, pois que se unem com nexo
singularíssimo à cabeça de todo o corpo, e com razão se chamam "os
primeiros dos membros do Senhor",(20) mas nas próprias dioceses, como
verdadeiros pastores, apascentam e governam em nome de Cristo os rebanhos
que lhes foram confiados;(21) ainda que nisto mesmo não sejam plenamente
independentes, mas estão sujeitos à autoridade do romano pontífice, de quem
receberam imediatamente o poder ordinário de jurisdição que possuem. Devem
pois ser venerados, pelo povo cristão, como sucessores dos apóstolos por
instituição divina;(22) a eles, como sagrados com a unção do Espírito
Santo, muito melhor que às autoridades deste mundo, ainda que elevadas, se
pode aplicar aquela sentença: "Não toqueis nos meus ungidos" (1Cr
16,22; Sl 104,15).
42. É, por isso, imensa a nossa dor quando somos informados de
que não poucos de nossos irmãos no episcopado, porque de todo o coração se
fizeram modelos do seu rebanho (cf. 1Pd 5,3) e defendem estrênua e
fielmente, como devem, "o depósito da fé" a eles confiado (cf.
1Tm 6,20); porque zelam o cumprimento das leis santíssimas, impressas pela
mão de Deus nos corações dos homens, e a exemplo do supremo Pastor defendem
o próprio rebanho contra a rapacidade dos lobos, não só se vêem eles
próprios perseguidos e vexados, mas - o que para eles é bem cruel e penoso
- vêem tratadas igualmente as suas ovelhas, os colaboradores do seu
apostolado, e as próprias virgens consagradas a Deus. Essas injustiças,
consideramo-las como feitas a nós mesmos e repetimos a eloqüente frase do
nosso predecessor de imortal memória, Gregório Magno: A nossa honra é a
honra de nossos irmãos; e, então, verdadeiramente somos honrados, quando a
nenhum deles se nega a honra que lhes é devida.(23)
43. Todavia não se julgue que Cristo, cabeça da Igreja, por
estar posto tão alto, dispensa a cooperação do corpo; pois que deve
armar-se do corpo místico o que Paulo afirma do corpo humano: "Não
pode a cabeça dizer aos pés: não preciso de vós" (lCor 12,21). É mais
que evidente que os fiéis precisam do auxílio do divino Redentor, pois que
ele disse: "Sem mim nada podeis fazer" (Jo 15,5), e segundo o
Apóstolo, todo o aumento deste corpo místico na sua edificação vem-lhe de
Cristo, sua cabeça (Cf. Ef 4,16; Cl 2,19). Contudo é igualmente verdade,
por mais admirável que pareça, que Cristo também precisa dos seus membros.
E isso, em primeiro lugar, porque a pessoa de Jesus Cristo é representada
pelo sumo pontífice, e este, para não ficar esmagado sob o peso do múnus
pastoral, precisa confiar a outros parte não pequena da sua solicitude, e
todos os dias deve ser ajudado pelas orações de toda a Igreja. Além disso
nosso Salvador, enquanto rege por si mesmo de modo invisível a Igreja, quer
ser ajudado pelos membros deste corpo místico na realização da obra da
redenção; não por indigência ou fraqueza da sua parte, mas ao contrário
porque ele assim o dispôs para maior honra da sua esposa intemerata. Com
efeito, morrendo na cruz, deu à Igreja, sem nenhuma cooperação dela, o
imenso tesouro da redenção; ao tratar-se porém de distribuir este tesouro,
não só faz participante a sua incontaminada esposa desta obra de
santificação, mas quer que em certo modo nasça da sua atividade. Tremendo
mistério, e nunca assaz meditado: Que a salvação de muitos depende das
orações e dos sacrifícios voluntários, feitos com esta intenção, pelos membros
do corpo místico de Jesus Cristo, e da colaboração que pastores e féis,
sobretudo os pais e mães de família, devem prestar ao divino Salvador.
44. Agora aos motivos expostos para demonstrar que Cristo
Senhor nosso deve dizer-se cabeça do seu corpo social, acrescentemos outros
três entre si intimamente conexos.
45. Começamos pela mútua relação que existe entre a cabeça e o
corpo, pelo fato de serem da mesma natureza. Neste ponto note-se que a
nossa natureza, bem que inferior à angélica, a vence por bondade de Deus:
"De fato Cristo, como diz o Doutor de Aquino, é cabeça dos Anjos; pois
que preside aos Anjos também segundo a humanidade... e enquanto homem
ilumina os Anjos e influi sobre eles. Mas quanto à conformidade de natureza
Cristo não é cabeça dos Anjos, porque não assumiu os Anjos, mas, segundo o
Apóstolo, a descendência de Abraão".(24) E não só assumiu Cristo a
nossa natureza, mas fez-se nosso consangüíneo num corpo passível e mortal.
Ora se o Verbo "se aniquilou a si mesmo tomando a forma de servo"
(Fl 2,7) fê-lo também para tornar os seus irmãos segundo a carne consortes
da natureza divina (cf. 2Pd 1,4) tanto no exílio terreno pela graça
santificante, como na pátria celeste pela eterna bem-aventurança. De fato
se o Unigênito do Eterno Pai quis ser falho do homem, foi para que nós nos
conformássemos à imagem do Filho de Deus (cf: Rm 8,29) e nos renovássemos
segundo a imagem daquele que nos criou (cf. Cl 3,10). Por conseguinte todos
os que se gloriam do nome de cristãos, não só olhem para o divino Salvador
como para um altíssimo e perfeitíssimo exemplar de todas as virtudes, mas
evitando cuidadosamente o pecado e praticando diligentemente a virtude,
procurem reproduzir em seus costumes a sua doutrina e vida, de modo que,
quando o Senhor aparecer, sejam semelhantes a ele na glória, vendo-o tal
qual é (cf. 1Jo 3,2).
46. Deseja Cristo que cada um de seus membros se lhe
assemelhe; mas deseja igualmente que se lhe assemelhe todo o corpo da
Igreja. O que sucede quando ela, seguindo as pistas de seu fundador,
ensina, governa, e imola o divino sacrifício; quando abraça os conselhos
evangélicos, e reproduz em si mesma a pobreza, a obediência e a virgindade
do Redentor; quando, nos muitos e variados institutos que como jóias a
adornam, nos faz em certo modo ver Cristo, ora no monte contemplando, ora
pregando às turbas, ora sarando os enfermos e feridos e convertendo os
pecadores, ora, enfim, fazendo bem a todos. Não é, pois, para admirar se
ela, enquanto vive nesta terra, se vê também, como Cristo, exposta a
perseguições, vexações e sofrimentos.
47. Depois Cristo é cabeça da Igreja, porque avantajando-se na
plenitude e perfeição dos dons sobrenaturais, desta plenitude haure o seu
corpo místico. Com efeito, notam muitos Padres, assim como no corpo humano
a cabeça possui todos os cinco sentidos, ao passo que o resto do corpo
possui unicamente o tato, assim todas as virtudes, dons e carismas que há
na sociedade cristã, resplandecem de modo singularíssimo na cabeça, Cristo.
"Aprouve que nele habitasse toda a plenitude" (Cl 1,19); a ele
exornam todos os dons que acompanham a união hipostática; porquanto nele
habita o Espírito Santo com tal plenitude de graças, que não se pode
conceber maior. A ele foi dado poder sobre a carne (cf. Jo 17,2); nele se
encerram "todos os riquíssimos tesouros de sabedoria e ciência"
(Cl 2,3). A própria ciência de visão é nele tal que supera absolutamente em
compreensão e clareza a ciência correspondente de todos os bem-aventurados.
Enfim, é ele tão cheio de graça e verdade, que todos nós recebemos da sua
inexaurível plenitude (cf. Jo 1,14-16).
48. Essas palavras do discípulo, a quem Jesus amava com
singular caridade, levam-nos a expor a última razão que de modo particular
demonstra ser Cristo Senhor Nosso cabeça de seu corpo místico. E é que
assim como da cabeça partem os nervos, que; difundindo-se por todos os
membros do corpo, lhes comunicam sensibilidade e movimento, assim também o
divino Salvador infunde na sua Igreja força e vigor, com que os fiéis
conhecem mais claramente e mais avidamente apetecem as coisas de Deus. Dele
provém ao corpo da Igreja toda a luz que ilumina divinamente os féis, e
toda a graça com que se fazem santos como ele é santo.
49. Cristo ilumina toda a sua Igreja: prova-o um sem número de
passos da Sagrada Escritura e dos santos Padres. "A Deus nunca ninguém
o viu; foi o Filho Unigênito, que está no seio do Pai, que no-lo deu a
conhecer" (cf. Jo 1,18). Vindo da parte de Deus como Mestre (cf. Jo
3,2), para dar testemunho a verdade (cf. Jo 18,37) iluminou com tanta luz a
primitiva Igreja dos apóstolos, que o príncipe deles exclamava:
"Senhor, para quem iremos? Vós tendes palavras de vida eterna"
(cf. Jo 6,68). Assistiu do céu os evangelistas, que como membros de Cristo,
escreveram o que ele, como cabeça, lhes ditou e ensinou.(25) E hoje a nós
que moramos neste exílio terrestre é autor da fé, como na pátria é o seu
consumador (cf. Hb 12,2). Ë ele que infunde nos féis a luz da fé; ele que
aos pastores e doutores e sobre todos ao seu vigário na terra enriquece
divinamente com os dons sobrenaturais de ciência, entendimento e sabedoria,
para que conservem fielmente o tesouro da fé, o defendam corajosamente,
piedosa e diligentemente o expliquem e valorizem; Ele é enfim o que
invisível preside e dirige os concílios da Igreja.(26)
50. Cristo é autor e operador de santidade. Já que nenhum ato
salutar pode haver que dele não derive como fonte soberana: "Sem mim,
diz ele, nada podeis fazer" (cf. Jo 15,5). Se nos sentimos movidos à
dor e contrição dos pecados cometidos, se com temor e esperança filial nos
convertemos a Deus, é sempre a sua graça que nos comove. A graça e a glória
brotam da sua inexaurível plenitude. Sobretudo aos membros mais eminentes
de seu corpo místico enriquece o Salvador continuamente com os dons de
conselho, fortaleza, temor, piedade, para que todo o corpo cresça cada dia
mais em santidade e perfeição. E quando com rito externo se ministram os
sacramentos da Igreja, é ele que opera o efeito deles nas almas.(27) É ele
também que, nutrindo os fiéis com a própria carne e sangue, serena os
movimentos desordenados das paixões; é ele que aumenta as graças e prepara
a futura glória das almas e dos corpos. Todos esses tesouros da divina
bondade reparte ele aos membros do seu corpo místico não só enquanto os
obtém do Eterno Pai como vítima eucarística na terra e como vítima glorificada
no céu, mostrando as suas chagas e apresentando as suas súplicas, mas
também porque "segundo a medida do dom de Cristo" (Ef 4,7)
escolhe, determina, distribui a cada um as suas graças. Donde se segue que
do divino Redentor, como de fonte manancial, "todo o corpo bem
organizado e unido recebe por todas as articulações, segundo a medida de
cada membro, o influxo e energia que o faz crescer e aperfeiçoar na
caridade" (Ef 4,16; cf. Cl 2,19).
c) Cristo é o
"sustentador" deste corpo
51. O que até aqui expusemos, veneráveis irmãos, explicando
resumidamente o modo como Cristo Senhor Nosso quer que da sua divina
plenitude desça sobre a Igreja a abundância de seus dons, para que ela se
lhe assemelhe o mais possível, serve para explicar a terceira razão que demonstra
como o corpo social da Igreja é corpo de Cristo, isto é, por ser nosso
Salvador quem divinamente sustenta a sociedade que fundou.
52. Observa Belarmino, com muita sutileza, (28) que com esta
denominação de corpo Cristo não quer dizer somente que ele é a cabeça do
seu corpo místico, senão também que sustenta a Igreja, de tal maneira que a
Igreja é como uma segunda personificação de Cristo. Afirma-o também o
Doutor das gentes, quando, na epístola aos Coríntios, chama, sem mais,
Cristo a Igreja (l Cor 12,12), imitando de certo o divino Mestre que,
quando ele perseguia a Igreja, lhe bradou do céu: "Saulo, Saulo, por
que me persegues?" (cf. At 9,4; 22, 7; 26,14). Antes são Gregório
Nisseno diz-nos que o Apóstolo repetidamente chama Cristo à Igreja; (29)
nem vós, veneráveis irmãos, ignorais aquela sentença de Agostinho:
"Cristo prega a Cristo".(30)
53. Todavia essa nobilíssima denominação não deve entender-se
como se aquela inefável união, com que o Filho de Deus assumiu uma natureza
humana determinada, se estende a toda a Igreja; mas quer dizer que o
Salvador comunica à sua Igreja os seus próprios bens de tal forma que ela,
em toda a sua vida visível e invisível, é um perfeitíssimo retrato de
Cristo. De fato em força da missão jurídica com que o divino Redentor
enviou os apóstolos ao mundo, como o Pai o enviara a ele (cf. Jo 17,18 e
20,21), é ele que pela sua Igreja batiza, ensina, governa, ata, desata,
oferece e sacrifica. E com aquela mais elevada comunicação, interior e
sublimíssima, de que falamos acima, descrevendo o modo como a cabeça influi
nos membros, Cristo faz que a Igreja viva da sua vida sobrenatural, penetra
com a sua divina virtude todo o corpo, e a cada um dos membros, segundo o
lugar que ocupa no corpo, nutre-o e sustenta-o do mesmo modo que a videira
sustenta e torna frutíferas as vides aderentes à cepa.(31)
54. Se bem considerarmos esse divino princípio de vida e
atividade, dado por Cristo, enquanto constitui a própria fonte de todos os
dons e graças criadas, compreenderemos facilmente que não é outra coisa
senão o Espírito Paráclito que procede do Pai e do Filho e de modo peculiar
se diz "Espírito de Cristo" ou "Espírito do Filho" (Rm
8, 9; 2 Cor 3,17; Gl 4,6). Com esse Espírito de graça e de verdade ornou o
Filho de Deus a sua alma logo no imaculado seio da Virgem; esse Espírito
deleita-se em habitar na alma do Redentor, como no seu templo predileto;
esse Espírito mereceu-no-lo Cristo derramando o próprio sangue; e, soprando
sobre os apóstolos, comunicou-o à Igreja para perdoar os pecados (cf. Jo
20,22); e ao passo que só Cristo o recebeu sem medida (cf. Jo 3,34), aos
membros do corpo místico dá-se da plenitude de Cristo e só na medida que
ele o quer dar (cf. Ef 1,8; 4,7). Depois que Cristo foi glorificado na
cruz, o seu Espírito é comunicado à Igreja em copiosíssima efusão para que
ela e cada um dos seus membros se pareçam cada vez mais com o Salvador. É o
Espírito de Cristo que nos faz filhos adotivos de Deus (cf. Rm 8,14-17; Gl
4,6-7), para que um dia "todos, contemplando a face descoberta, a
glória do Senhor, nos transformemos na sua própria imagem cada vez mais
resplandecente" (cf. 2Cor 3,18).
55. A esse Espírito de Cristo, como a princípio invisível,
deve atribuir-se também a união de todas as partes do corpo tanto entre si
como com sua cabeça, pois que ele está todo na cabeça, todo no corpo e todo
em cada um dos membros; conforme as suas funções e deveres, e segundo a
maior ou menor saúde espiritual de que gozam, está presente e assiste de
diversos modos. É ele que com o hálito de vida celeste em todas as partes
do corpo é o princípio de toda a ação vital e verdadeiramente salutar. É
ele que, embora resida e opere divinamente em todos os membros, contudo
também age nos inferiores por meio dos superiores; ele enfim que cada dia produz
na Igreja com sua graça novos incrementos, mas não habita com a graça
santificante nos membros totalmente cortados do corpo. Essa presença e ação
do Espírito de Jesus Cristo exprimiu-a sucinta e energicamente nosso
sapientíssimo predecessor, de imortal memória, Leão XIII, na encíclica
"Divinum Illud" por
estas palavras: "Baste afirmar que, sendo Cristo cabeça da Igreja, o
Espírito Santo é a sua alma".(32)
56. Se, porém, considerarmos aquela força e energia vital com
que o divino Fundador sustenta toda a família cristã, não já em si mesma,
mas nos efeitos criados que produz, então veremos que consiste nas dons
celestes que nosso Redentor juntamente com seu Espírito dá a Igreja e
juntamente com o mesmo Espírito, opera, como doador da luz sobrenatural e causa
eficiente da santidade. E é por isso que a Igreja não menos que todos os
santos, membros seus, pode fazer sua aquela grande sentença do Apóstolo:
"Vivo; já não eu; mas vive Cristo em mim" (Gl 2,20).
d) Cristo é o
"conservador" deste corpo
57. O que temos dito da "cabeça mística" (33)
ficaria incompleto, se não tocássemos, ao menos brevemente, aquela outra
sentença do mesmo Apóstolo: "Cristo é a cabeça da Igreja; ele é o
Salvador do seu corpo" (Ef 5,23). Nestas palavras temos a última razão
pela qual a Igreja é dita corpo de Cristo: Cristo é o Salvador divino desse
corpo. Com razão foi pelos samaritanos proclamado "Salvador do
mundo" (Jo 4,42); antes deve sem dúvida alguma dizer-se "Salvador
de todos", embora com são Paulo devamos acrescentar: "sobretudo
dos fiéis" (cf. 1Tm 4,10). De fato com seu sangue, mais que todos os
outros, comprou ele os seus membros que constituem a Igreja (At 20,28).
Tendo, porém, já exposto detalhadamente esse ponto quando acima tratamos da
Igreja nascida da cruz, de Cristo iluminador, santificador e sustentador do
seu corpo místico, não há por que demorarmo-nos em maiores explanações;
meditemo-lo antes com humildade e atenção, dando contínuas graças a Deus. O
que nosso divino Salvador começou outrora, pendente da cruz, não cessa de o
perfazer continuamente na celeste bem-aventurança: "A nossa cabeça,
diz santo Agostinho, ora por nós; acolhe uns membros, castiga outros, a
outros purifica, a outros consola, a outros cria, a outros chama, a outros
torna a chamar, a outros corrige, a outros reintegra".(34) A nós é
dado cooperar com Cristo nesta obra, "de um e por um somos salvos e
salvamos".(35)
3. A IGREJA É O CORPO
"MÍSTICO" DE CRISTO
58. Passamos já, veneráveis irmãos, a expor as razões com que
desejamos mostrar que o corpo de Cristo, que é a Igreja, se deve denominar
místico. Essa denominação, usada já por vários escritores antigos,
comprovam-na não poucos documentos pontifícios. E há muitas razões para se
dever adotar: pois que por ela o corpo social da Igreja, cuja cabeça e
supremo regedor é Cristo, pode distinguir-se do seu corpo físico, nascido
da Virgem Maria e que agora está sentado à destra do Pai ou oculto sob os
véus eucarísticos; pode também distinguir-se, e isto é importante por causa
dos erros atuais, de qualquer corpo natural, quer físico, quer moral.
59. De fato, enquanto no corpo natural o princípio de unidade
junta de tal maneira as partes que cada uma fica sem própria subsistência,
ao contrário no corpo místico a força de mútua coesão, por mais íntima que
seja, une os membros de modo que conservam perfeita e própria
personalidade. Além disso, se considerarmos a relação entre o todo e os
diversos membros em todo e qualquer corpo físico dotado de vida, os membros
particulares destinam-se, em última análise, unicamente ao bem de todo o
composto, ao passo que toda a sociedade de homens, considerado o fim último
da sua unidade, é finalmente ordenada ao proveito de todos e cada um dos
membros, como pessoas que são. Portanto, para voltarmos ao nosso ponto,
como o Filho do Eterno Pai desceu do céu por amor da nossa eterna salvação,
assim fundou o corpo da Igreja e o enriqueceu do seu divino Espírito para
procurar e conseguir a bem-aventurança das almas imortais, conforme aquela
sentença do Apóstolo; "Todas as coisas são vossas; vós, porém, sois de
Cristo; e Cristo de Deus" (l Cor 3,23);(36) A Igreja como é ordenada
ao bem dos fiéis, assim é destinada a glória de Deus e à daquele que ele
mandou, Jesus Cristo.
60. Se compararmos o corpo místico com o moral, veremos que a
diferença não é leve, mas importantíssima e gravíssima. No corpo moral não
há outro princípio de unidade senão o fim comum e a comum cooperação sob a
autoridade social para o mesmo fim; ao passo que no corpo místico de que
falamos, a essa tendência comum do mesmo fim junta-se outro princípio
interno, realmente existente e ativo, tanto de todo o composto, como em
cada uma das partes, e tão excelente, que supera imensamente todos os
vínculos de unidade que unem o corpo, quer físico, quer moral. Esse
princípio é, como acima dissemos, de ordem não natural mas sobrenatural,
antes em si mesmo absolutamente infinito e incriado: o Espírito divino,
que, como diz o Angélico, "sendo um só e o mesmo enche e une toda a
Igreja".(37)
61. Por conseguinte esse termo bem entendido lembra-nos que a
Igreja, sociedade perfeita no seu gênero, não consta só de elementos
sociais e jurídicos. Ela é muito mais excelente que quaisquer outras
sociedades humanas (38) às quais excede quanto a graça supera a natureza,
quanto as coisas imortais se avantajam as mortais e caducas.(39) As
Comunidades humanas, sobretudo a Sociedade civil, não são para desprezar,
nem para ser tidas em pouca conta; mas a Igreja não está toda em realidades
desta ordem, como o homem todo não é só corpo mortal.(40) É verdade que os
elementos jurídicos, em que a Igreja se estriba e de que se compõe, nascem
da divina constituição que Cristo lhe deu, e servem para conseguir o fim
sobrenatural; contudo o que eleva a sociedade cristã a um grau absolutamente
superior a toda a ordem natural, é o Espírito do Redentor, que, como fonte
de todas as graças, dons e carismas, enche perpétua e intimamente a Igreja
e nela opera. O organismo do nosso corpo é por certo obra-prima do Criador,
mas fica imensamente aquém da excelsa dignidade da alma; assim a
constituição social da república cristã, embora apregoe a sabedoria do seu
divino Arquiteto, é, contudo, de ordem muitíssimo inferior, quando se
compara aos dons espirituais de que se adorna e vive, e à fonte divina donde
eles dimanam.
4. A IGREJA JURÍDICA E A
IGREJA DA CARIDADE
62. De quanto até aqui expusemos, veneráveis irmãos, é
evidente que estão em grave erro os que arbitrariamente ungem uma Igreja
como que escondida e invisível; e não menos aqueles que a consideram como
simples instituição humana com determinadas leis e ritos externos, mas sem
comunicação de vida sobrenatural. (41) Ao contrário, assim como Cristo,
cabeça e exemplar da Igreja, "não é todo se nele se considera só a
natureza humana visível... ou só a natureza divina invisível... mas é um de
ambas e em ambas as naturezas...: assim o seu corpo místico";(42) pois
que o Verbo de Deus assumiu a natureza humana passível, para que, uma vez
fundada e consagrada com seu sangue a sociedade visível, "o homem
fosse reconduzido pelo governo visível às realidades invisíveis".(43)
63. Por isso lamentamos também e reprovamos o erro funesto dos
que sonham uma Igreja ideal, uma sociedade formada e alimentada pela
caridade, à qual, com certo desprezo, opõem outra que chamam jurídica.
Enganam-se grandemente os que introduzem tal distinção; pois que vêem que o
divino Redentor pela mesma razão por que ordenou que a sociedade humana por
ele fundada fosse perfeita no seu gênero e dotada de todos os elementos
jurídicos e sociais, a saber, para perdurar na terra a obra salutífera da
Redenção, (44) por essa mesma razão e para conseguir o mesmo fim quis que
fosse enriquecida de dons e graças celestes pelo Espírito Paráclito. O
Eterno Pai quis que ela fosse "o reino do seu Filho muito amado"
(Cl 1,13); mas realmente um reino em que todos os fiéis prestassem
homenagem plena de entendimento e de vontade, (45) e com humildade e
obediência se conformassem àquele que por nós "se fez obediente até à
morte" (Fl 2,8). Portanto nenhuma oposição ou contradição pode haver
entre a missão invisível do Espírito Santo e o múnus jurídico dos pastores
e doutores recebido de Cristo; pois que as duas coisas, como em nós o corpo
e a alma, mutuamente se completam e aperfeiçoam e provêm igualmente do
único Salvador nosso, que não só disse ao emitir o sopro divino:
"Recebei o Espírito Santo" (Jo 20, 22), mas em voz alta e clara
acrescentou: "Como o Pai me enviou a mim, assim eu vos envio a
vós" (Jo 20, 21), e também: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16).
64. E se às vezes na Igreja se vê algo em que se manifesta a
fraqueza humana, isso não deve atribuir-se a sua constituição jurídica, mas
àquela lamentável inclinação do homem para o mal, que seu divino Fundador
às vezes permite até nos membros mais altos do seu corpo místico para
provar a virtude das ovelhas e dos pastores e para que em todos cresçam os
méritos da fé cristã. Cristo, como acima dissemos, não quis excluir da sua
Igreja os pecadores; portanto se alguns de seus membros estão espiritualmente
enfermos, não é isso razão para diminuirmos nosso amor para com ela, mas
antes para aumentarmos a nossa compaixão para com os seus membros.
65. Sem mancha alguma, brilha a santa madre Igreja nos
sacramentos com que gera e sustenta os filhos; na fé que sempre conservou e
conserva incontaminada; nas leis santíssimas que a todos impõe, nos
conselhos evangélicos que dá; nos dons e graças celestes, pelos quais com
inexaurível fecundidade (46) produz legiões de mártires, virgens e
confessores. Nem é sua culpa se alguns de seus membros sofrem de chagas ou
doenças; por eles ora a Deus todos os dias: "Perdoai-nos as nossas
dívidas" e incessantemente com fortaleza e ternura materna trabalha
pela sua cura espiritual.
66. Quando, por conseguinte, denominamos "místico" o
corpo de Jesus Cristo, a força mesmo do termo é para nós uma grave lição; a
lição que ressoa nestas palavras de são Leão: "Reconhece, ó cristão, a
tua dignidade; e feito consorte da natureza divina, vê que não recaias por
um comportamento indigno na tua antiga baixeza. Lembrate de que cabeça e de
que corpo és membro".(47)
SEGUNDA PARTE
UNIÃO DOS FIÉIS COM CRISTO
67. Agrada-nos agora, veneráveis irmãos, tratar da nossa união
com Cristo no corpo da Igreja; a qual, como bem diz santo Agostinho, (48)
por ser uma coisa grande, misteriosa e divina, acontece muitas vezes ser
mal-entendida e explicada. Primeiramente é claro que é uma união
estreitíssima: na Sagrada Escritura não só se compara à união do casto
matrimônio, e à unidade vital dos sarmentos com a videira e dos membros do
nosso corpo (cf. Ef 5, 22-23; Jo 15,1-5; Ef 4, 16), mas descreve-se como
tão íntima, que a tradição antiquíssima continuada nos Padres e fundada
naquela sentença do Apóstolo: "ele (Cristo) é a cabeça do corpo da
Igreja" (Cl 1,18), ensina que o divino Redentor forma com seu corpo
social uma única pessoa mística, ou como diz santo Agostinho: o Cristo
total. (49) O próprio Salvador na sua oração sacerdotal não duvidou comparar
esta união à maravilhosa unidade com que o Pai está no Filho e o Filho no
Pai (Jo 17, 21-23).
1. Vínculos jurídicos e
sociais
68. A nossa união em Cristo e com Cristo vê-se em primeiro
lugar do fato que, sendo a família cristã por vontade de seu Fundador um
corpo social e perfeito, deve necessariamente possuir a união dos membros
que resulta da conspiração destes para o mesmo fim. E quanto mais nobre é o
fim a que tende esta conspiração, quanto mais é divina a fonte donde ela
procede, tanto mais excelente é a união. Ora o fim é altíssimo: a contínua
santificação dos membros do mesmo corpo para a glória de Deus e do Cordeiro
que foi sacrificado (Ap 5,12-13). A fonte diviníssima: não só o beneplácito
do Eterno Pai e a vontade expressa do Salvador, mas também a interna
inspiração e moção do Espírito Santo nas nossas inteligências e corações. E
realmente se não podemos fazer o mais pequenino ato salutar senão no
Espírito Santo, como podem inumeráveis multidões de todas as gentes e
estirpes tender de comum acordo para a suprema glória do Deus uno e trino,
senão por virtude daquele que procede como único e eterno amor do Pai e do
Filho?
69. E porque este corpo social de Cristo, como acima dissemos,
por vontade do seu Fundador deve ser visível, é força que aquela conspiração
de todos os membros se manifeste também externamente, pela profissão da
mesma fé, pela recepção dos mesmos sacramentos, pela participação ao mesmo
sacrifício, pela observância prática das mesmas leis. E ainda absolutamente
necessário que haja um chefe supremo visível a todos, que coordene e dirija
eficazmente para a consecução do fim proposto a atividade comum; e este é o
vigário de Cristo na terra. Pois que, como o divino Redentor enviou o
Paráclito, Espírito de verdade, para que em sua vez (cf. Jo 14,16 e 26)
tomasse o governo invisível da Igreja, assim mandou a Pedro e aos seus
sucessores que, representando na terra a sua pessoa, tomassem o governo
visível da família cristã.
2. Virtudes teologais
70. A esses vínculos jurídicos, que já por si excedem
grandemente os de qualquer outra sociedade humana, mesmo suprema, junta-se
necessariamente outra causa de união naquelas três virtudes que nos unem
estreitissimamente com Deus: a fé, a esperança e a caridade cristã.
"Um só Senhor, uma só fé", como diz o Apóstolo (Ef 4,5): aquela
fé com que aderimos a um só Deus e àquele que ele mandou, Jesus Cristo (cf.
Jo 17,3). Quão intimamente por meio desta fé nos unimos a Deus, ensinam-no
as palavras do discípulo amado: "Quem confessar que Jesus é Filho de Deus,
Deus permanece nele e ele em Deus" (1 Jo 4,15). Nem é menor a união,
que por ela se estabelece entre nós e com a divina cabeça; pois que todos
os fiéis que "temos o mesmo Espírito de fé" (2Cor 4,13), somos
iluminados pela mesma luz de Cristo, sustentados pelo mesmo manjar de
Cristo, e governados pela mesma autoridade e magistério de Cristo. E se em
todos floresce o mesmo Espírito de fé, todos vivemos também a mesma vida
"na fé do Filho de Deus que nos amou e se entregou a si mesmo por
nós" (cf. Gl 2, 20); e Cristo, nossa cabeça, recebido em nós pela fé
viva e habitando em nossos corações (cf. Ef 3,17), como é autor da nossa
fé, será também o seu consumador (cf. Hb 12,2).
71. Se, nesta vida, pela fé aderimos a Deus qual fonte da
verdade, pela virtude da esperança cristã desejamo-lo qual fonte da
bem-aventurança, "esperando a bem-aventurada esperança e o advento da
glória do grande Deus" (Tt 2,13). Por causa daquele comum desejo do
reino dos céus pelo qual renunciamos a ter pátria permanente aqui na terra,
mas demandamos a celeste (cf. Hb 13,14), e anelamos a glória eterna, não
duvidou dizer o Apóstolo das gentes: "Um corpo só e um só Espírito,
como é uma a esperança da vocação com que fostes chamados" (Ef 4,4);
mais ainda, Cristo reside em nós como esperança da glória (cf. Cl 1,27).
72. Mas se os vínculos da fé e da esperança, que nos unem com
o Redentor divino no seu corpo místico, são fortes e importantes, não são
menos importantes e eficazes os laços da caridade. Se até naturalmente nada
há mais excelente do que o amor, fonte da verdadeira amizade, que dizer
daquele amor soberano, que o próprio Deus infunde nas nossas almas?
"Deus é caridade, e quem permanece na caridade permanece em Deus e
Deus nele" (1 Jo 4,16). A caridade, como por força de uma lei
estabelecida por Deus, faz com que ele desça a morar nas almas que o amam,
dando-lhes amor por amor, segundo aquela sentença: "Se alguém me ama,
também meu Pai o amará e viremos a ele e estabeleceremos nele a nossa
morada" (Jo 14,23): Portanto a caridade une-nos com Cristo mais
intimamente que qualquer outra virtude; em cujo amor inflamados tantos
filhos da Igreja jubilam de por ele sofrer afrontas e tolerar e suportar
tudo; por árduo que fosse, até ao último alento e à efusão do próprio
sangue. Por isso nos exorta vivamente o Salvador com estas palavras:
"Permanecei no meu amor". E porque a caridade é vã e aparente se
não se demonstra e torna efetiva com boas obras, por isso acrescenta logo:
"Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; como
eu observei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor" (Jo
15,9-10).
73. Mas a esse amor de Deus e de Cristo é preciso que
corresponda a caridade para com o próximo. E realmente como podemos nós
afirmar que amamos o Redentor divino, se odiamos aqueles que ele, para os
fazer membros do seu corpo místico, remiu com seu precioso sangue? Por isso
o Apóstolo, entre todos predileto de Cristo, nos adverte: "Se alguém
disser que ama a Deus, e odiar a seu irmão, mente. Pois quem não ama a seu irmão,
a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê? E nós recebemos este
mandamento, que quem ama a Deus ame também a seu Irmão" (1Jo 4,20-21).
Antes devemos afirmar que tanto mais unidos estaremos com Deus, e com
Cristo, quanto mais "formos membros uns dos outros" (Rm 12,25),
solícitos uns pelos outros (lCor 12,25); e por outra parte, tanto mais
viveremos entre nós unidos e estreitados pela caridade, quanto mais ardente
for o amor que nos unir a Deus e à nossa divina cabeça.
74. O Filho unigênito de Deus já antes do princípio do mundo
nos abraçou no seu infinito conhecimento e eterno amor. Amor que ele
demonstrou palpavelmente e de modo verdadeiramente assombroso assumindo a
nossa natureza em unidade hipostática; donde segue, como ingenuamente nota
Máximo de Turim, que "em Cristo nos ama a nossa carne".(50)
75. Esse amorosíssimo conhecimento que o divino Redentor de
nós teve desde o primeiro instante da sua encarnação, excede tudo quanto a
razão humana pode alcançar; pois que ele pela visão beatífica de que gozou
apenas concebido no seio da Mãe Santíssima, tem continuamente presente
todos os membros do seu corpo místico e a todos abraça com amor salvífico.
Ó admirável dignação da divina bondade para conosco! Ó inconcebível ordem
da imensa caridade! No presépio, na cruz, na glória sempiterna do Pai,
Cristo vê e abraça todos os membros da Igreja muito mais claramente, com
muito maior amor do que a mãe o filho que tem no regaço, do que cada um de
nós se conhece e ama a si mesmo.
76. Do dito até aqui vê-se facilmente, veneráveis irmãos, por
que é que o Apóstolo Paulo repete tantas vezes que Cristo está em nós e nós
em Cristo. O que se demonstra também com uma razão mais sutil. Cristo está
em nós como acima demoradamente expusemos, pelo seu Espírito que ele nos
comunica, e pelo qual opera em nós de modo que tudo o que o Espírito Santo
opera em nós de divino, deve dizer-se que é Cristo também que o opera.(51)
"Se alguém não tem o Espírito de Cristo, diz o Apóstolo, esse não
pertence a ele; mas se Cristo está em vós... o Espírito é vida pela
justiça" (Rm 8, 9-10).
77. Dessa mesma comunicação do Espírito de Cristo segue que a
Igreja vem a ser como o complemento e plenitude do Redentor; por isso que
todos os dons, virtudes e carismas que se encontram na cabeça de modo
eminente, superabundante e eficiente, dela derivam a todos os membros da
Igreja e neles, conforme o lugar que ocupam no corpo místico de Cristo, dia
a dia se aperfeiçoam, e Cristo como que se completa na Igreja. (52) Nessas
palavras acenamos a razão por que, segundo a doutrina de Agostinho, já
antes brevemente indicada, a cabeça mística que é Cristo, e a Igreja, que é
na terra como outro Cristo e faz as suas vezes, constituem um só homem
novo, em quem se juntam o céu e a terra para perpetuar a obra salvífica da
cruz; este homem novo é Cristo cabeça e corpo, o Cristo total.
3. A inabitação do Espírito
Santo
78. Certamente não desconhecemos quão difícil de entender e de
explicar é esta doutrina da nossa união com o divino Redentor, e
especialmente da habitação do Espírito Santo nas almas, pelos véus do mistério
que a recatam e tornam obscura à investigação da fraca inteligência humana.
Mas sabemos também que da investigação bem feita e persistente e do
conflito e concurso das várias opiniões, se a investigação for orientada
pelo amor da verdade e pela devida submissão à Igreja, brotam faíscas e se
acendem luzes com que, mesmo neste gênero de ciências sagradas, se pode
obter verdadeiro progresso. Por isso não censuramos os que, por diversos
caminhos, se esforçam por atingir e quanto possível declarar este tão
sublime mistério da nossa admirável união com Cristo. Uma coisa, porém,
devem todos ter por certa e indubitável, se não querem desviar-se da
verdadeira doutrina e do reto magistério da Igreja: rejeitar toda a
explicação desta mística união que pretenda elevar os fiéis tanto acima da
ordem criada, que cheguem a invadir a divina, a ponto de se atribuir em
sentido próprio um só que seja dos atributos de Deus. Retenham também
firmemente aquele outro princípio certíssimo, que nestas matérias é comum à
SS. Trindade tudo o que se refere e enquanto se refere a Deus como suprema
causa eficiente.
79. Note-se também que se trata de um mistério recôndito, que
neste exílio terrestre nunca se poderá completamente desvendar ou
compreender nem explicar em linguagem humana. Diz-se que as Pessoas divinas
habitam na criatura inteligente enquanto presentes nela de modo
imperscrutável, dela são atingidas por via de conhecimento e amor, (53) de
modo porém absolutamente íntimo e singular, que transcende a natureza
humana. Para formarmos disto uma idéia ao menos aproximativa, não devemos
descurar o caminho e método que o Concílio Vaticano tanto recomenda nestas
matérias, para obter luz com que se possa vislumbrar alguma coisa dos
divinos arcanos, isto é, a comparação dos mistérios entre si e com o bem
supremo a que se dirigem. E é assim que Nosso sapientíssimo Predecessor de
feliz memória Leão XIII, tratando desta nossa união com Cristo e da
habitação do Espírito Paráclito em nós, muito oportunamente fixa os olhos
na visão beatífica, que um dia no céu completará e consumará esta união
mística. "Esta admirável união, diz ele, que com termo próprio se
chama "inabitação", difere apenas daquela com que Deus no céu
abraça e beatifica os bem-aventurados, só pela nossa condição (de viajores
na terra)".(55) Naquela visão poderemos com os olhos do Espírito, elevados
pelo lume da glória, contemplar de modo inefável o Pai, o Filho e o Divino
Espírito, assistir de perto por toda a eternidade às processões das divinas
Pessoas e gozar de uma bem-aventurança semelhantíssima àquela que faz
bem-aventurada a santíssima e indivisível Trindade.
4. A Eucaristia sinal de
unidade
80. A precedente exposição da doutrina da íntima união do
corpo místico de Cristo com a sua cabeça afigura-se-nos incompleta sem uma
breve referência neste lugar a santíssima Eucaristia, pela qual a união
nesta vida mortal é levada ao seu auge.
81. Ordenou Cristo Senhor nosso que esta admirável e nunca
assaz louvada união que nos une entre nós e com a nossa cabeça divina,
fosse manifestada aos féis de modo especial pelo sacrifício eucarístico; no
qual o celebrante faz às vezes não só do divino Salvador, mas também de
todo o corpo místico e de cada um dos féis; e, por sua parte, os fiéis
unidos nas orações e votos comuns, pelas mãos do celebrante, apresentam ao
eterno Pai o Cordeiro imaculado - presente no altar à voz unicamente do
sacerdote -, como vítima agradável de louvor e propiciação pelas
necessidades de toda a Igreja. E do mesmo modo que, morrendo na cruz, o
divino Redentor se ofereceu a si mesmo ao Pai como cabeça de todo o gênero
humano, assim nesta "oblação pura" (Ml 1,11) não só se oferece a
si mesmo ao Pai celeste, como cabeça da Igreja, mas em si oferece os seus
membros místicos; pois que a todos, até os fracos e enfermos, tem
amorosissimamente encerrados no Coração.
82. O sacramento da eucaristia ao mesmo tempo que é viva e
admirável imagem da unidade da Igreja - pois que o pão da hóstia é um,
resultante de muitos grãos (56) dá-nos o próprio autor da graça
sobrenatural, para dele haurirmos o Espírito da caridade que nos fará viver
não a nossa, mas a vida de Cristo e amar o próprio Redentor em todos os
membros do seu corpo social.
83. Se, portanto, nas angustiosas circunstâncias atuais houver
muitíssimos que se abracem com Jesus escondido sob os véus eucarísticos de
tal maneira que nem a tribulação, nem a angústia, nem a fome, nem a nudez,
nem os perigos, nem a perseguição, nem a espada os possa separar da sua
caridade (cf. Rm 8,35), então sem dúvida a sagrada comunhão,
providencialmente restituída em nossos dias a um uso mais freqüente desde a
infância, poderá ser fonte daquela fortaleza que não raro produz e sustenta
o heroísmo entre os cristãos.
TERCEIRA PARTE
EXORTAÇÃO PASTORAL
1. ERROS RELATIVOS À VIDA
ASCÉTICA
a) Falso misticismo
84. Estas verdades, veneráveis irmãos, se os fiéis as
compreenderem e recordarem bem diligentemente, ajudá-los-ão a acautelar-se
dos erros a que expõe a investigação deste difícil assunto, quando feita a
capricho, como alguns a fazem, não sem grande perigo para a fé católica e
perturbação das almas. Com efeito, não faltam alguns que, por não
considerarem bastante que S. Paulo falava nesta matéria só por metáforas,
nem distinguirem, como é absolutamente necessário, os sentidos particulares
e próprios dos termos corpo físico, moral, místico, introduzem uma falsa
noção de unidade, afirmando que o Redentor e os membros da Igreja formam
uma pessoa física, e ao passo que atribuem aos homens propriedades divinas,
fazem Cristo Senhor nosso sujeito a erros e à humana inclinação para o mal.
A tais falsidades opõem-se a fé católica e os sentimentos dos santos
Padres; mas opõem-se igualmente o pensamento e a doutrina do apóstolo das
gentes, que se bem une Cristo e o seu corpo místico com uma união
admirável, contudo contrapôs-nos um ao outro como Esposo à esposa (cf. Ef
5,22-23).
b) Falso
"quietismo"
85. Não menos contrário à verdade e perigoso é o erro daqueles
que da misteriosa união de todos nós com Cristo pretendem deduzir um
mal-entendido "quietismo", que atribui toda a vida espiritual dos
féis e todo o progresso na virtude unicamente à ação do Espírito Santo,
excluindo ou menosprezando a correspondência e colaboração que devemos
prestar-lhe. Ninguém pode negar que o divino Espírito de Cristo é a única
fonte donde deriva toda a energia sobrenatural na Igreja e nos membros,
pois que, como diz o salmista, "o Senhor concede a graça e a
glória" (Sl 83,12). Contudo o perseverar constantemente nas obras de
santidade, o progredir fervorosamente na graça e na virtude, o esforçar-se
generosamente por atingir o vértice da perfeição cristã, enfim o excitar,
na medida do possível, os próximos a consegui-la, tudo isso não quer o
celeste Espírito realizá-lo, se o homem não faz, dia a dia, com energia e
diligência, o que está ao seu alcance. "Os benefícios divinos, diz
santo Ambrósio, não se fazem aos que dormem, mas aos que velam".(57)
Se neste nosso corpo mortal os membros se desenvolvem e robustecem com o
exercício cotidiano, muito mais, sem dúvida, sucede no corpo social de Cristo,
cujos membros gozam de liberdade, consciência e modo próprio de agir. Por
isso o que disse: "Vivo, não já eu; mas Cristo vive em mim" (Gl
2,20), esse mesmo não duvidou afirmar: "A sua graça (de Deus) não foi
em mim estéril, mas trabalhei mais que todos eles; se bem que não eu, mas a
graça de Deus comigo" (l Cor 15,10). E, pois, evidente que, com essas
falsas doutrinas, o mistério de que tratamos não se utiliza para proveito
espiritual dos fiéis, mas converte-se em triste causa de sua ruína.
c) Erros relativos à
confissão sacramental e à oração
86. O mesmo sucede com a falsa opinião dos que pretendem que
não se deve ter em conta a confissão freqüente das faltas veniais; pois que
mais importante é a confissão geral, que a esposa de Cristo, com seus filhos
a ela unidos no Senhor, faz todos os dias, por meio dos sacerdotes antes de
subirem ao altar de Deus. É verdade, e vós bem sabeis, veneráveis irmãos,
que há muitos modos e todos muito louváveis, de obter o perdão dessas
faltas; mas para progredir mais rapidamente no caminho da virtude,
recomendamos vivamente o pio uso, introduzido pela Igreja sob a inspiração
do Espírito Santo, da confissão freqüente, que aumenta o conhecimento
próprio, desenvolve a humildade cristã, desarraiga os maus costumes, combate
a negligência e tibieza espiritual, purifica a consciência, fortifica a
vontade, presta-se à direção espiritual, e, por virtude do mesmo
sacramento, aumenta a graça. Portanto os que menosprezam e fazem perder a
estima da confissão freqüente à juventude eclesiástica, saibam que fazem
uma coisa contrária ao Espírito de Cristo e funestíssima ao corpo místico
do Salvador.
87. Há ainda alguns que afirmam não terem as nossas orações
verdadeira eficácia impetrativa e trabalham por espalhar a opinião de que a
oração feita em particular pouco vale e que é a oração pública, feita em
nome da Igreja, que tem verdadeiro valor, por partir do corpo místico de
Jesus Cristo. Não é exato; o divino Redentor não só uniu estreitamente a si
a Igreja como esposa queridíssima, senão também nela as almas de todos e
cada um dos fiéis, com quem deseja ardentemente conversar na intimidade,
sobretudo depois da comunhão. E embora a oração pública, feita por toda a
Igreja, seja mais excelente que qualquer outra, graças a dignidade da esposa
de Cristo, contudo todas as orações, ainda as mais particulares, têm o seu
valor e eficácia, e aproveitam também grandemente a todo o corpo místico;
no qual não pode nenhum membro fazer nada de bom e justo, que em razão da
comunhão dos santos não contribua também para a salvação de todos. Nem aos
indivíduos por serem membros desse corpo se lhes veda que peçam para si
graças particulares, mesmo temporais, com a devida sujeição à divina
vontade; pois que continuam sendo pessoas independentes com suas indigências
próprias. (58) Quanto à meditação das coisas celestes, os documentos
eclesiásticos, a prática e exemplos de todos os Santos provam bem em quão
grande estima deve ser tida por todos.
88. Por último não falta quem diga que as nossas súplicas não devem
dirigir-se a pessoa de Jesus Cristo, mas a Deus ou ao Eterno Pai por
Cristo; pois que o Salvador, como cabeça do seu corpo místico, deve
considerar-se apenas qual "medianeiro entre Deus e os homens"
(1Tm 2,5). Também isso é contrário ao modo de pensar da Igreja, contrário
ao costume dos fiéis e é falso. Cristo, para falar com propriedade e
precisão, é cabeça de toda a Igreja segundo ambas as naturezas
conjuntamente; (59) e ele próprio afirmou aliás solenemente: "Se me
pedirdes alguma coisa em meu nome, fá-la-ei" (Jo 14,14). E bem que no
sacrifício eucarístico principalmente - onde Cristo é, ao mesmo tempo,
sacerdote e vítima e por isso de modo especial, exerce as funções de
conciliador - as orações se dirijam ordinariamente ao Eterno Pai pelo seu
Unigênito, contudo não raro, e até no santo sacrifício, dirigem-se também
ao divino Redentor; pois que todos os cristãos devem saber claramente que
Jesus Cristo homem é também Filho de Deus. Por isso quando a Igreja
militante adora e invoca o Cordeiro imaculado e vítima sagrada, parece
responder à voz da Igreja triunfante, que perpetuamente canta: "Ao que
está sentado no trono e ao Cordeiro, bênção e honra e glória e poder nos
séculos dos séculos" (Ap 5,13).
2. EXORTAÇÃO A AMAR A
IGREJA
89. Até aqui, veneráveis irmãos, meditando o mistério da nossa
arcana união com Cristo, procuramos, como doutor da Igreja universal,
iluminar as inteligências com a luz da verdade; agora julgamos conforme ao
nosso múnus pastoral excitar os corações a amar o corpo místico, com
ardente caridade, que não se fique em pensamentos e palavras, mas se
traduza em obras. Se os fiéis da antiga lei cantaram da cidade terrena:
"Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, paralise-se a minha mão
direita; fique presa a minha língua ao meu paladar, se eu não me lembrar de
ti, se não tiver Jerusalém como a primeira das minhas alegrias" (Sl
136,5-6); com quanto maior ufania e júbilo não devemos nos regozijar por
habitarmos a cidade edificada sobre o monte santo, com pedras vivas e
escolhidas, "tendo por pedra angular Cristo Jesus" (Ef 2,20;1Pd
2,45). Realmente não há coisa mais gloriosa, mais honrosa, mais nobre, que
fazer parte da Igreja, santa, católica, apostólica, romana, na qual nos
tornamos membros de tão venerando corpo; nos governa uma tão excelsa
cabeça; nos inunda o mesmo Espírito divino; a mesma doutrina, enfim, e o
mesmo Pão dos Anjos nos alimenta neste exílio terreno, até que, finalmente,
vamos gozar no céu da mesma bem-aventurança sempiterna.
a) Com amor sólido
90. Mas para que não nos deixemos enganar pelo anjo das
trevas, transfigurado em anjo de luz (cf. 2Cor 11,14), seja esta a suprema
lei do nosso amor: amar a esposa de Cristo tal como Cristo a quis e a
adquiriu com seu sangue. Portanto não só devemos amar sinceramente os
sacramentos, com que a Igreja, mãe extremosa; nos sustenta, e as
solenidades com que nos consola e alegra, os cantos sagrados e a liturgia,
com que eleva as nossas almas à, coisas do céu, mas também os sacramentais
e os vários exercícios de piedade com que suavemente impregna de Espírito
de Cristo e conforta as almas. E não só é nosso dever pagar com amor, como
bons filhos, o seu materno amor para conosco, senão também venerar a sua
autoridade que ela recebeu de Cristo e com que cativa as nossas
inteligências em homenagem a Cristo (cf. 2Cor 10,5); e não menos obedecer
às suas leis e preceitos morais, às vezes molestos à nossa natureza
decaída; refrear a rebeldia deste nosso corpo com penitência voluntária, e
até mortificar-nos, privando-nos de quando em quando de coisas agradáveis,
embora não perigosas. Nem basta amar o corpo místico no esplendor da cabeça
divina e dos dons celestes que o exornam; devemos com amor efetivo amá-lo
tal qual se nos apresenta na nossa carne mortal, composto de elementos
humanos e enfermiços, embora por vezes desdigam um pouco do lugar que
ocupam em tão venerando corpo.
b) Que nos faça ver Cristo
na Igreja
91. Ora para que esse amor sólido e perfeito more nas nossas
almas e cresça de dia para dia, é preciso que nos acostumemos a ver na
Igreja o próprio Cristo. Pois que é Cristo que vive na sua Igreja, por ela
ensina, governa e santifica; é Cristo que de vários modos se manifesta nos
vários membros da sua sociedade. Se todos os fiéis se esforçarem por viver
realmente com esse vivo espírito de fé, não só prestarão a devida honra e
reverência aos membros mais altos deste corpo místico, sobretudo aos que um
dia têm de dar conta das nossas almas (cf. Hb 13,17), mas amarão de modo
particular aqueles que o Salvador amou com singularíssima ternura, quais
são os enfermos, chagados, fracos, todos os que precisam de remédio natural
ou sobrenatural; a infância, cuja inocência está hoje exposta a tantos
perigos, e cuja alma se pode modelar como branda cera; os pobres nos quais com
sua compaixão se deve reconhecer e socorrer a pessoa de Jesus Cristo.
c) Imitemos o amor de Cristo
para com a Igreja
92. Como com razão adverte o Apóstolo: "Os membros do
corpo que parecem mais fracos são os mais necessários; e os que temos por
mais vis, cercamo-los de maior honra" (l Cor 12,22-23). Gravíssima
sentença que nós, cônscios da obrigação que nos incumbe pelo nosso
altíssimo oficio, devemos repetir, ao vermos com profunda mágoa que às
vezes são privados da vida os deformes, dementes e afetos por doenças
hereditárias, por inúteis e de peso à sociedade; e que alguns celebram isso
como uma conquista do progresso, sumamente vantajoso ao bem comum. Ora, que
homem sensato há que não veja isso não só como uma violação flagrante da
lei natural e divina,(60) impressa em todos os corações, mas também que não
lhe repugne atrozmente aos sentimentos de humanidade? O sangue desses
infelizes, tanto mais amados do Redentor quanto mais dignos de compaixão,
"brada a Deus da terra" (cf. Gn 4,10).
93. Mas para que esta genuína caridade, com que devemos ver o
Salvador na Igreja e nos seus membros, não venha pouco a pouco a arrefecer,
é bom contemplemos ao mesmo Cristo como supremo modelo de amor para com a
Igreja.
94. E primeiramente imitemos a vastidão daquele amor, esposa
de Cristo é só a Igreja; contudo o amor do divino Esposo é tão vasto, que a
ninguém exclui, e na sua esposa abraça a todo o gênero humano; pois que o
Salvador derramou o seu sangue na cruz para conciliar com Deus a todos os
homens de todas as nações e estirpes, e para os reunir num só corpo. Por
conseguinte o verdadeiro amor da Igreja exige não só que sejamos todos no
mesmo corpo membros uns dos outros, cheios de mútua solicitude (cf. Rm
12,5;1Cor 12,25), que se alegrem com os que se alegram e sofram com os que
sofrem (cf. lCor 12,26), mas que também nos outros homens ainda não
incorporados conosco na Igreja, reconheçamos outros tantos irmãos de Jesus
Cristo segundo a carne, chamados como nós para a mesma salvação eterna. É
verdade que hoje não faltam - é um grande mal - os que vão exaltando a
rivalidade, o ódio, o rancor, como coisas que elevam e nobilitam a
dignidade e o valor do homem. Nós, porém, que magoados vemos os funestos
frutos de tal doutrina, sigamos o nosso Rei pacífico, que nos ensinou a
amar os que não são da mesma nação ou mesma estirpe (cf. Lc 10,33-37) até
os próprios inimigos (cf. Lc 6,27-35; Mt 5,44-48). Nós, compenetrados dos
suavíssimos sentimentos do Apóstolo das gentes, com ele cantemos o
comprimento, a largura, a sublimidade, a profundeza da caridade de Cristo
(cf. Ef 3,18), que nem a diversidade de nacionalidade, ou de costumes pode
quebrar, nem a vastidão imensa do oceano diminuir, nem as guerras, justas
ou injustas, arrefecer.
95. Nesta hora tremenda, veneráveis irmãos, em que tantas
dores torturam os corpos e tantas angústias lancinam as almas, é preciso
acender em todos esta caridade sobrenatural, para que os bons - lembramos
principalmente os que pertencem a associações de beneficência e mútuo
socorro - combinando os seus esforços, como em admirável porfia de
compaixão e misericórdia, acudam a tão imensas necessidades das almas e dos
corpos, e assim por toda parte resplandeça a generosidade inesgotável do
corpo místico de Jesus Cristo.
96. Mas porque à vastidão da caridade com que Cristo amou a
Igreja corresponde a constância ativa da mesma caridade, nós também amemos
o corpo místico de Cristo com o mesmo amor perseverante e industrioso.
Nosso divino Redentor, desde a encarnação, quando lançou os primeiros
fundamentos da Igreja, até ao fim da sua vida mortal, nem um só instante
passou em que com exemplos fulgentíssimos de virtude, pregando, ensinando,
legislando, não trabalhasse até cair de fadiga - ele o Filho de Deus! -em
formar ou consolidar a Igreja. Desejamos pois que todos os que reconhecem
por mãe a Igreja, ponderem seriamente que não só ao clero e aos que se
consagram ao serviço do corpo místico de Jesus Cristo, mas a cada um na sua
esfera, incumbe a obrigação de incremento do mesmo corpo. Notem-no de modo particular
- como aliás já o fazem tão louvavelmente - os que militam nas fileiras da
Ação católica e colaboram com os bispos e sacerdotes no apostolado e os que
em pias associações prestam o seu auxílio para o mesmo fim. Não há quem não
veja que a ação de todos esses é, nas presentes circunstâncias, de grande
peso e de suma importância.
97. Também não podemos aqui silenciar a respeito dos pais e
mães de família, a quem nosso divino Salvador confiou os membros mais
tenros de seu corpo místico; mas com todo o ardor os exortamos, por amor de
Cristo e da Igreja, a que olhem com o máximo cuidado pelos filhos que o
Senhor lhes deu, e procurem precavê-los contra as inúmeras ciladas em que
hoje tão facilmente se encontram enredados.
98. De modo peculiar manifestou o Redentor o seu ardentíssimo
amor à Igreja nas súplicas que por ela dirigiu ao Pai celeste. Todos sabem
- para lembrar isto apenas - que pouco antes de subir ao patíbulo da cruz,
orou ardentissimamente por Pedro (cf. Lc 22,32), pelos outros apóstolos (cf.
Jo 17,9-19) e por todos aqueles que pela pregação da divina palavra haviam
de crer nele (cf. Jo 17,20-23). À imitação deste exemplo de Cristo roguemos
todos os dias ao Senhor da messe que mande obreiros para a sua messe (cf.
Mt 9,38; Lc 10,2) e todos os dias suba a nossa oração encomendando a Deus
todos os membros do corpo místico: primeiro os bispos, a quem está confiado
o cuidado das suas dioceses, depois os sacerdotes, os religiosos e
religiosas, que por especial vocação chamados ao serviço de Deus; na pátria
ou em terras pagãs defendem, aumentam, dilatam o reino do divino Redentor.
Nenhum membro do corpo místico fique fora desta comum oração; mas
lembrem-se especialmente os que vivem acabrunhados das dores e angústias
deste desterro e os defuntos que se purificam no Purgatório. Nem se
esqueçam os catecúmenos, que se instruem na doutrina cristã, para que
quanto antes possam receber o batismo.
99. Desejamos também vivamente que essas orações abracem com
ardente caridade tanto aqueles a quem não raiou ainda a luz do Evangelho,
nem entraram no redil seguro da Igreja, como os que um triste dissídio na
fé ou na unidade separa de nós, que embora indignos; representamos a pessoa
de Jesus Cristo na terra. Repitamos aquela oração divina do Salvador ao Pai
celeste: "Que todos sejam um, como tu, ó Pai, em mim, e eu em ti; que
também eles sejam um em nós: para que o mundo creia que tu me
enviaste" (Jo 17,21).
100. Os que não pertencem ao organismo visível da Igreja
católica, como sabeis, veneráveis irmãos, confiamo-los também, desde o
princípio do nosso pontificado, à proteção e governo do alto, protestando
solenemente que a exemplo do bom pastor tínhamos um só desejo: "que
eles tenham vida e a tenham em abundância". (61) Esta nossa solene
declaração queremos reiterar, depois de pedirmos as orações de toda a
Igreja nesta encíclica em que celebramos os louvores "do grande e
glorioso corpo de Cristo", (62) convidando a todos e cada um com todo
o amor da nossa alma, a que espontaneamente e de boa vontade cedam às
íntimas inspirações da graça divina e procurem sair de um estado em que não
podem estar seguros de sua eterna salvação, (63) pois, embora por desejo e
voto inconsciente, estejam ordenados ao corpo místico do Redentor, carecem
de tantas e tão grandes graças e auxílios que só na Igreja católica podem
encontrar. Entrem, pois, na unidade católica e unidos conosco no corpo de
Jesus Cristo, conosco venham a fazer parte, sob uma só cabeça, da sociedade
da gloriosíssima caridade.(64) Nós, jamais cessaremos as nossas súplicas ao
Espírito de amor e verdade, e esperamo-los de braços abertos não como a
estranhos, mas como a filhos que vêm para a sua casa paterna.
101. Mas se desejamos que sem interrupção subam até Deus as
orações de todo o corpo místico implorando que os errantes entrem quanto
antes no único redil de Jesus Cristo, declaramos contudo ser absolutamente
necessário que eles o façam espontânea e livremente, pois que ninguém crê,
senão por vontade. (65) Por conseguinte se alguns que não crêem são
realmente forçados a entrar nos templos, a aproximar-se do altar e a
receber os sacramentos, não se fazem verdadeiros cristãos: (66) a fé, sem a
qual "é impossível agradar a Deus" (Hb 1,6), deve ser libérrima
"homenagem da inteligência e da vontade".(67) Se, portanto,
acontecesse que, contra a doutrina constante da Sé Apostólica, (68) alguém
fosse obrigado a abraçar contra sua vontade a fé católica, nós, conscientes
do nosso dever, não podemos deixar de o reprovar. Mas porque os homens são
livres e podem, sob o impulso de más paixões e apetites desordenados,
abusar da própria liberdade, então é necessário que o Pai das luzes, pelo
Espírito de seu amado Filho, os mova e atraia eficazmente à verdade. Ora,
se muitos ainda - infelizes - estão longe da verdade católica e não querem
ceder às inspirações da graça divina, é porque não só eles, (69) mas também
os fiéis não oram mais fervorosamente por essa intenção. Por isso nós uma e
outra vez exortamos a todos a que, por amor da Igreja e seguindo o exemplo
do divino Redentor, o façam continuamente.
102. Nas atuais circunstâncias, mais que oportuno, é
necessário orar fervorosamente pelos reis e príncipes e por todos os que
governam e que podem com a proteção externa auxiliar a Igreja, para que,
restabelecida a ordem, por impulso da divina caridade, do meio das ondas
tenebrosas desta tormenta surja "a paz, fruto da justiça" (Is
32,17), o atribulado gênero humano e a santa Igreja possam viver uma vida
sossegada e tranqüila em toda a piedade e honestidade (cf.1Tm 2,2). Peçamos
a Deus que amem a sabedoria os que regem os povos (cf. Sb 6,23), de modo
que nunca lhes quadre esta formidável sentença do Espírito Santo: "O
Altíssimo examinará as vossas obras e perscrutará os vossos pensamentos,
porque sendo ministros do seu reino, não governastes retamente, nem
observastes a lei da justiça, nem caminhastes segundo a vontade de Deus.
Horrendo e de improviso vos aparecerá, porque será rigorosíssimo o juízo
dos que governam. Ao humilde concede-se misericórdia; mas os poderosos
serão poderosamente atormentados. Deus não recuará diante de ninguém, nem
se inclinará diante de nenhuma grandeza; porque o pequeno e o grande
criou-os ele, e de todos cuida igualmente; aos mais fortes, porém,
ameaça-os mais forte suplício. Para vós, ó reis, são estas minhas palavras,
a fim de que aprendais a sabedoria e não venhais a cair" (Sb 6,4-10).
103. Mas Cristo Senhor nosso mostrou seu amor à esposa
imaculada não só trabalhando incansavelmente e orando constantemente, senão
também com as dores e ignomínias que, por ela, espontânea e amorosamente
tolerou. "Tendo amado aos seus... amou-os até ao fim" (Jo 13,1) e
foi com seu sangue que ele adquiriu a Igreja (cf. At 20,28). Sigamos de boa
vontade as sangüinolentas pisadas de nosso Rei, como exige a necessidade de
assegurarmos a nossa salvação: "Se fomos enxertados nele pela
semelhança da sua morte, sê-lo-emos também pela ressurreição" (Rm 6,5)
e "se morrermos com ele, com ele viveremos" (2Tm 2,11). Exige-o
igualmente a caridade verdadeira e efetiva para com a Igreja e para com as
almas, que ela continuamente gera a Cristo. Com efeito, ainda que o
Salvador, pelos seus cruéis tormentos e morte dolorosíssima, mereceu à
Igreja um tesouro infinito de graças, contudo essas graças, por disposição
da providência divina, são-nos comunicadas por partes; e a sua maior ou
menor abundância depende não pouco também das nossas boas obras, com que
impetramos da bondade divina e atraímos sobre os próximos a chuva dos dons
celestes. Será esta chuva abundantíssima, se não nos contentarmos em
oferecer a Deus fervorosas preces, sobretudo participando devotamente e,
quanto possível, todos os dias, ao sacrifício eucarístico, mas também procuramos,
com obras de misericórdia cristã, aliviar os sofrimentos de tantos
indigentes; se preferirmos os bens eternos às coisas caducas deste mundo;
se refrearmos este corpo mortal com voluntária mortificação, negando-lhe
todo o ilícito, e impondo-lhe fadigas e austeridades; se recebermos com
humildade, como da mão de Deus, os trabalhos e dores desta vida presente. E
assim que, segundo o Apóstolo, "completaremos o que falta à paixão de
Cristo na nossa carne, por amor do seu corpo que é a Igreja" (cf. Cl
1,24). Enquanto isto escrevemos, depara-se-nos à vista uma quase infinita
multidão de infelizes, cuja sorte nos arranca lágrimas da maior compaixão:
doentes, pobres, mutilados, caídos na viuvez ou na orfandade, e muitíssimos
que em conseqüência dos sofrimentos próprios ou dos seus se vêem às portas
da morte. A todos os que assim, por um motivo ou por outro, jazem imersos
na tristeza e na angústia, exortamos com coração paterno a que levantem
confiadamente os olhos ao céu e ofereçam os seus trabalhos Àquele que um
dia os recompensará divinamente. Lembrem-se todos que a sua dor não é
inútil; mas que será proveitosíssima a eles, e também à Igreja, se com esta
intenção a sofrerem pacientemente. Para isso ajudá-los-á muitíssimo o
oferecimento cotidiano de si mesmos a Deus, como usam fazer os membros do
Apostolado da oração, pia associação, que nós aqui encarecidamente
recomendamos, como sumamente aceita ao Senhor.
104. Mas se em todo o tempo devemos unir os nossos sofrimentos
com os do divino Redentor para a salvação das almas, muito mais hoje em
dia, veneráveis irmãos, quando o imenso incêndio da guerra abrasa quase
todo o mundo e causa tantas mortes, tantas desgraças, tantos trabalhos;
hoje de modo especial é dever de todos fugir dos vícios, das seduções do
século, das paixões desenfreadas da carne, e não menos da vaidade e
futilidade das coisas terrenas, que nada aproveitam à vida cristã, nada
para ganhar o céu. Ao contrário fixemos bem no Espírito aquelas gravíssimas
palavras de Nosso imortal predecessor Leão Magno, quando afirmava que pelo
batismo nos tornamos carne do Crucificado,(70) e a belíssima oração de
santo Ambrósio: "Leva-me, ó Cristo, na tua cruz, a qual é a salvação
dos errantes, o único descanso dos cansados, única vida dos
mortais".(71)
105. Antes de terminar, não podemos conter-nos de exortar a
todos uma e muitas vezes a que amem a santa madre Igreja com amor
industrioso e ativo. Pela sua incolumidade, prosperidade e progresso
ofereçamos todos os dias ao Eterno Pai as nossas orações, trabalhos e sofrimentos,
se realmente temos a peito a salvação de toda a família humana remida com o
sangue divino. E enquanto no céu relampeja a tormenta, e grandes perigos
ameaçam a humana sociedade e a própria Igreja, confiemo a nós, e todas as
nossas coisas ao Pai das misericórdias, suplicando: "Olhai, Senhor,
para esta vossa família, pela qual nosso Senhor Jesus Cristo não duvidou
entregar-se em mãos de malfeitores e sofrer o tormento da cruz".(72)
EPÍLOGO
A VIRGEM SENHORA NOSSA
106. Realize, veneráveis irmãos, estes nossos paternos votos,
que sem dúvida são também os vossos, e alcança-nos a todos verdadeiro amor
para com a Igreja, a Virgem Mãe de Deus, cuja alma santíssima foi mais
repleta do divino Espírito de Jesus Cristo que todas quantas saíram das mãos
de Deus, e que "em nome de toda a natureza humana" deu o seu
consentimento para que se efetuasse o "matrimônio espiritual entre o
Filho de Deus e a natureza humana".(73) Ela foi que com parto
admirável, porque fonte de toda a vida celestial, nos deu Cristo Senhor
nosso, já no seu seio virginal ornado da dignidade de cabeça da Igreja; e
recém-nascido o apresentou aos primeiros dentre os judeus e gentios que o
foram adorar qual Profeta, Rei e Sacerdote. Foi ela que com seus rogos
maternos "em Caná da Galiléia" moveu o seu Unigênito a operar o
admirável prodígio, pelo qual "creram nele os seus discípulos"
(Jo 2,11). Foi ela, a Imaculada, isenta de toda a mancha original ou atual,
e sempre intimamente unida com seu Filho, que, como outra Eva, juntamente
com o holocausto dos seus direitos maternos e do seu materno amor, o
ofereceu no Gólgota ao Eterno Pai por todos os filhos de Adão, manchados
pela sua queda miseranda; de modo que a que era fisicamente Mãe da nossa
divina cabeça foi, com novo título de dor e de glória, feita
espiritualmente mãe de todos os seus membros. Foi ela que com suas
eficacíssimas orações obteve que o Espírito do divino Redentor, dado já na
cruz, fosse depois em dia de Pentecostes conferido com aqueles dons
prodigiosos à Igreja recém-nascida. Ela finalmente, suportando com ânimo
forte e confiante imensas dores, verdadeira Rainha dos mártires, mais que
todos os fiéis, "completou o que falta à paixão de Cristo... pelo seu
corpo que é a Igreja" (Cl 1,24), e assistiu o corpo místico de Cristo,
nascido do Coração rasgado do Salvador, (74) com o mesmo amor e solicitude
materna com que amamentou e acalentou no berço o menino Deus.
107. Ela pois, Mãe santíssima de todos os membros de Cristo,
(75) a cujo Coração Imaculado confiadamente consagramos todos os homens, e
que agora em corpo e alma refulge na glória e reina juntamente com seu
Filho, nos alcance dele que sem interrupção corram os caudais da graça da
excelsa cabeça para todos os membros do corpo místico, e, como nos tempos
passados, assim hoje proteja a Igreja com seu poderoso patrocínio e lhe
obtenha finalmente a ela e a toda a humana sociedade tempos mais
tranqüilos.
108. Confiado nesta celeste esperança, como penhor das graças
celestes e atestado da Nossa particular benevolência, a todos e a cada um
de vós, veneráveis irmãos, e aos rebanhos a vós confiados, concedemos de
todo o coração a bênção apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 29 de junho,
festa dos Santos apóstolos Pedro e Paulo, no ano de 1943, V do nosso
pontificado.
PIO PP. XII
Notas
1. Sessio III, Const. Dei
Filius de fide cath., c. 4.
2. Cf. Conc.Vat. I, Const. Pastor
aeternus
de Eccl. Christi; prol.
3. Cf. ibidem, Const. Dei
Filius de fide cath., cap. 1.
4. Cf . AAS 28 (1895-96), p. 710.
5. S. Agostinho, Epist.157,
3, 22; Migne, PL, 32, 686.
6. S. Agostinho, Sermo
CXXXII, 1; Migne, PL, 38,
754.
7. Encíclica Divinum Illud; AAS 29(1896-97), p. 649.
8. S. Ambrósio, In Luc., II, 87; Migne, PL 15,1585.
9. S.'Iomás, Summa theol. I-II,
q.103, a. 3, ad 2.
10. S. Leão M., Sermo 68,
3; Migne, PL 54, 374.
11. Cf. s. Jerônimo e s.
Agostinho, Epist.112,14 e 116,16;
Migne, PL 22, 924 et 943; S.
Tomás,Summa theol., I-II,
q.103, a. 3 ad 2; a. 4 ad 1; Concil. Flor., pro Iacob.: Mansi, 31,1738.
12. Cf. S. Tomás, Summa theol., III, q. 42, a. 1.
13. Cf. De peccato orig.,
XXV, 29; Migne, PL 44, 400.
14. Cf. Cirilo Alex., Comm. in Joh. I, 4; Migne PG 73, 69; S. Tomás, Summa theol.; I, q. 20, a. 4 ad 1.
15. Hexaëm., VI.
55; Migne, PL 14, 265.
16. Cf. s. Agostinho, De
agon. Christ.
XX, 22; Migne, PL 40, 301.
17. Cf. s. Tomás, Summa theol.; l, q. 22, aa. l- 4.
18. Cf. Leão XIII, enc. Satis Cognitum, AAS 28(1895-9fi), p.
725.
19. Cf. Corpus luris Canonici, Extr. comm., I, 8,1.
20. S. Greg. Magno, Moralia, XIV, 35, 43; Migne, PL LXXV,1062.
21. Cf. Conc. Vat. I, Const. Pastor aeternus de Eccl., cap.
3.
22. Cf. Cod. Iur. Can., cân. 329, § 1.
23. Cf. Epist. ad Eulog., 30; Migne, PL 77, 933.
24. Comm. in Ep. ad Eph., cap. l, lect 8; Hb. 2,16-17.
25. Cf. s. Agostinho, De
cons. evang., I, 35, 54; Migne, PL
34,1070.
26. Cf . s.Cirilo Alex.,
Ep. 55 de Symb.; Migne, PG 77, 293.
27. Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q. 64, a: 3.
28. Cf. De Rom. Pont.,
I, 9; De Concil., II,19.
29. Cf. S. Greg. Niss., De
vita Moysis; Migne, PG
44, 385.
30. Cf. Sermo 354,
1; Migne, PL 39,1563.
31. Cf. Leão XIII, enc. "Sapientiae
Christianae'; AAS 22(1889-90), p. 392; enc. "Satis cognitum'; AAS 28(1895-96), p.
710.
32. AAS 29 (1896-97), p. 650.
33. Cf. s. Ambrosio, De
Elia et ieiun., 10, 36-37, e in
Psal. 118, serm. 20, 2; Migne, PL
14, 710 e 15,1483.
34. Comentário aos Salmos,
85,5.
35. S, Clem. Alex., Strom.,
VII, 2; Migne, PG 9, 413.
36. Pio XI, enc. "Divini Redemptoris": AAS 29(1937),
p. 80.
37. De veritate,
q. 29, a. 4 c.
38. Cf. Leão XIII, "Sapientiae Christianae"; AAS
22(1889-90), p. 392.
39. Cf. Leão XIII, enc. "Satis
cognitum"; AAS 28 (1895-96), p. 724.
40. Cf. ibidem,
p. 710.
41. Cf. ibidem,
p. 710.
42. Cf. ibidem,
p. 710.
43. S. Tomás, De Veritate,
q. 29, a. 4 ad 3.
44. Conc. Vat. I, Sess. IV, Const,
dogm. Pastor aeternus de Eccl., prol.
45. Conc. Vat. I, Sess. III, Const. Dei Filius de fide cath., c. 3
46. Cf. Conc. Vat. I, Sess. III, const. Dei Filius de fide cath., cap 3.
47. Sermo 21, 3;
Migne, PL 54,192-193.
48. Cf. s. Agostinho, Contra
Faust., 21,8; Migne, PL
42, 392.
49. Cf. Comentário aos
Salmos, 17,51 e 90,2,1.
50. Sermo 29; Migne, PL 57, 594.
51. Cf, s. Tomás, Comm. in Ep. ad Eph., cap. 2, lect. 5.
52. Cf. s. Tomás, Comm. in Ep, ad Eph., cap. l, lect. 8.
53. Cf. s. Tomás, Summa theol., I, q. 43, a. 3.
54. Sess. III, const. Dei Filius de fide cath., c. 4.
55. Cf. enc. "Divinum illud" ; AAS 29(1896-97),
p. 653.
56. Cf. Didaché IX,4.
57. Expos. Evan. sec. Luc., IV, 49; Migne,
PL 15,1626.
58. Cf. s.Tomás, Summa theol., II-II, q. 83, aa. 5 e 6.
59. Cf. s. Tomás, De Veritate, q. 29, a. 4 c.
60. Cf. Decret. S.
Officii, 2.12.1940, AAS 32(1940, p. 553.
61. Carta enc. "Summi Pontificatus", AAS
31(1939), p. 419.
62. S. Ireneo, Adv. Haer.,
N, 33, 7; Migne PG 7,1076.
63. Cf. Pio IX, "Iam
vos omnes", 13.09.1868: Act.
Conc. Vat., C. L.,
VII,10.
64. Cf. Gelásio I, Epist. XIV Migne,
PL 59, 89.
65. Cf. s. Agostinho, In Ioann. Ev. tract., 26, 2; Migne, PL 30,1607.
66. Cf. ibidem.
67. Conc. Vat. I, Const. Dei
Filius de fide cath., cap. 3.
68. Cf. Leão XIII, enc. "Immortale
Dei", AAS 18(1885-86), pp.174-175, Cod. Iur. Can., c.1351.
69. Cf. s. Agostinho, ibidem.
70. Cf. Sermo 63,
6; 66, 3; Migne, PL 54, 359 e
366.
71. In
Ps.188, 22,30; Migne, PL
15,1521.
72. Offic.
da Semana santa.
73. s. Tomás, Summa theol., III, q. 80, a. 1.
74. Cf. Off. Sacratíssimo Coração, hino das vésp.
75. Cf Pio X, enc. "Ad diem illum", AAS 36(1903-04),
p. 453.
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