A Comunhão
Eucarística
A Voz do Pastor, de DOM Eugênio de Araújo Sales
26/11/1999
Em recente reunião social, uma
distinta senhora manifestava-me sua surpresa pelo fácil acesso à Comunhão
eucarística, ao lado da escassa frequência ao confessionário. Integrante de
nossa sociedade, bem conhecia a situação familiar de pessoas impedidas de uma
frutuosa participação nesse Sacramento. E, dizia-me como católica, tinha
consciência de seu estado: evitava o sacrilégio, apesar de certa pressão para
seguir o exemplo de alguns que engrossavam a fila dos comungantes. Eu a
elogiei, por estar agindo corretamente. Lembrei-me do que São Paulo já
constatava entre os primeiros cristãos de Corinto: "O que fazeis não é
comer a ceia do Senhor". (1 Cor 11,20) e advertia: Essa vossa maneira de
agir "longe de vos levar ao melhor, vos prejudica" (11,17). E
finalmente, ele clama: "Que cada um examine a si mesmo, antes de comer
deste pão e beber deste cálice, pois aquele que come sem discernir o Corpo do
Senhor, come e bebe a própria condenação" (11,28ss).
Esse é o ensinamento da Igreja. Quem comunga em pecado grave "come e bebe
a própria condenação" e quem vive numa união "de fato", sem o
Sacramento do Matrimônio, mesmo impossibilitado de regularizá-lo, deve praticar
sua Fé, mas somente no que não implique o prévio estado de graça. Não tem valor
a apreciação subjetiva ou autorização indébita de algum eclesiástico que ensine
à margem da doutrina da Igreja. A consciência é farol seguro, quando formada
objetivamente, segundo as orientações emanadas do Magistério legítimo. Faz-se
mister estar em condições exigidas, para que produza vida e não morte.
O homem é condicionado ou, pelo menos, influenciado em seus comportamentos por
costumes, imposição da opinião pública, controle social. Na atualidade, também
em nome do subjetivismo e individualismo exacerbados. Segue um modo de pensar
pessoal, impelido por seus interesses e conveniências e não pelos princípios
que se radicam em Deus.
Vivendo em desordem ética e moral, o homem tende a tornar-se norma de seus
atos. E destarte não só se expõe ao erro, mas se degrada em seu íntimo pois,
como ensina o Concílio Vaticano II, "no fundo da própria consciência o
homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo" ("Gaudium et
Spes", nº 16). Ela lhe é dada como dom e expressão de ser imagem de Deus.
Duas conclusões imediatas são claras: a) nenhuma maioria de votos, nem o volume
dos aplausos da opinião pública pode ser última instância moral; b) em quem não
cultiva sua consciência, reorientando-a sempre de novo para a verdade, "a
consciência vai-se progressivamente cegando com o hábito do pecado"
("Gaudium et Spes", nº 16).
Em se tratando dos males decorrentes de uma consciência mal formada, tornam-se
mais graves quando atingem os valores sagrados. Esse desvio pode ser motivado
por ignorância culposa da Lei do Senhor ou por influência de um subjetivismo
prepotente. O mesmo se pode dizer quando essa consciência se relaciona com a
dignidade de outrem, como na amizade, no matrimônio ou ainda na educação dos
filhos, pois isso leva a prejuízos que já não são de nosso alcance sanar.
Da Comunhão Eucarística, quem pode participar e em que condições? Qualquer
tomada de posição subjetiva e individualista - "eu sou cristão
adulto", ou "eu mesmo sei decidir" - torna-se não só uma
irreverência leve, mas algo grave diante da verdade intrínseca desse Sacramento.
Não é um exercício qualquer de piedade. O Concílio Vaticano II chama-o de
"fonte e ápice de toda a vida cristã" ("Lumen Gentium", nº
11a). Nele, Deus se entrega a nós e o faz sob o signo da kénosis, isto é, do
total aniquilamento do seu Filho amado. Ele se entrega, na hora da morte, às
mãos do Pai para nos arrancar do pecado, do ódio, de toda perdição e poder do
inferno.
A Santa Comunhão supõe sempre esse profundo ato de Fé, esse desejo de se
assemelhar a Jesus em seu abandono confiante ao Pai, em sua vitória sobre o
pecado. Praticamente, isso significa converter-se, aceitar a verdade proposta
pelo Magistério eclesiástico, os mandamentos e, com o radicalismo da entrega de
Jesus, procurar viver a vontade de Deus. E ainda dar sua vida para edificar a Igreja
como comunidade santa, em um mundo marcado pela desobediência a Deus. Contra
todas as tentações, Jesus implora o derradeiro dom: "Eles não são do
mundo, como eu não sou do mundo. Santifica-os na verdade. A tua palavra é a
verdade" (cf Jo 17, 16s). Não são critérios subjetivos que permitem a
participação em tão santa Ceia, mas a obediência com amor a este Deus que se
nos revela sob os sinais da morte redentora, neste Sacramento.
Em nossos dias, faz-se mister bradar fortemente para evitar o sacrilégio, Isto
ocorre em particular nas celebrações matrimoniais, exéquias, em reuniões,
quando se celebra o Santo Sacrifício da Missa. Nesta oportunidade e em outras,
não é raro pessoas sem as condições requeridas se aproximarem do altar para
comungar. Esse mal estar, também é difundido em várias nações. No relatório do
II Sínodo dos Bispos da Europa, o Cardeal Godfried Danneels, Arcebispo de
Malines-Bruxelas, relator, assim expressa o pensamento do grupo de língua
francesa B: "A Comunhão eucarística está desvirtuada do seu significado:
Assiste-se a um fenômeno de "dinâmica de grupo" (todos participam
nela), separada do discernimento do Corpo de Deus, de que São Paulo fala"
Às vésperas do Grande Jubileu, muito oportuno um exame de consciência sobre
essa matéria.
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Para citar:
Fonte: Sociedade
Católica
CARDEAL SALES, Dom Eugênio. Apostolado Sociedade
Católica: A Comunhão Eucarística. Disponível desde 04/05/08.