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PERGUNTE E RESPONDEREMOS 020 – agosto 1959
A Volta às Fontes DOGMÁTICA A. F. P. (Belo Horizonte): “Em que consiste a volta às fontes, de que tanto se fala na vida cristã moderna? Enquanto uns preconizam mudanças tidas como renovadoras, outros as rejeitam e terceiros não sabem o que há de certo no assunto”. Por «fontes», na expressão acima citada, entendem-se os grandes mananciais da doutrina e da vida cristãs, isto é, - a Revelação oral e escrita (Bíblia Sagrada), - os Sacramentos, dentre os quais se destaca a Eucaristia, - os documentos ou escritos dos chamados «Padres da Igreja» (escritores ortodoxos dos sete primeiros séculos).
Pode-se dizer que o pensamento e a vida dos cristãos contemporâneos estão sujeitos à influência preponderante dos acontecimentos dos cinco últimos séculos.
Estendendo-se ao setor religioso, a atitude humanista ou naturalista se concretizou na chamada «Reforma» do séc. XVI: o movimento dito «protestante», iniciado em 1517 por Lutero, rejeitou qualquer autoridade religiosa, para colocar em lugar desta o julgamento autônomo da consciência ou o «livre exame»; destarte solapava, sem o querer, as bases da fé e trabalhava em favor da irreligião professada e militante dos séculos futuros. Lutero bem o percebeu e lamentou no fim de sua vida; Calvino, um dos Reformadores que o imitaram, para evitar esse resultado, instituiu em Genebra uma ditadura teocrática, recorrendo a drásticos processos de coação. Não obstante esses males, os exemplos dos «Reformadores» do séc. XVI foram reproduzidos por «iluminados» ou outros tantos Reformadores da «Reforma» nos séculos subsequentes; cada um destes julgou descobrir o Evangelho em sua época: assim John Smith, no séc. XVII, fundando a seita dos Batistas; John Wesley (+1791), dando início à seita dos Metodistas; Henry Jacob (+1624), organizando os Congregacionistas; William Booth (+1912), o Exército da Salvação; Mary Baker (+1910), a «Christian Science», etc.
Por tal via, mais e mais se foi afirmando o subjetivismo religioso, concorrendo para criar a atmosfera de relativismo ou ceticismo em torno do sobrenatural, relativismo que muito caracteriza os tempos presentes.
Voltando à história geral das idéias, verificamos que nos séc. XVII/XVIII a mente humana, bajulada pelos contínuos progressos das ciências naturais, cada vez mais se tinha na conta de auto-suficiente: ainda professava a existência de Deus, mas de um Deus bem adaptado às categorias da razão, ao qual não se reconhecia intervenção alguma na história deste mundo e ao qual não era preciso prestar fé pròpriamente dita; preconizava-se assim uma religião natural em que todos os credos se fundiriam e na qual a ética não dependeria de Revelação Divina nem prometeria recompensa póstuma; nessa ideologia tocaria o primado ao homem, considerado como centro do mundo. Foram arautos de tais concepções na França os chamados «filósofos» do séc. XVIII: Voltaire (+1778), d'Alembert (+1783), Diderot (+1784) e os «enciclopedistas»; na Inglaterra, Herbert of Cherbury (+1648), Thomas Hobbes (+1679), John Toland (+1722), David Hume (+1776); na Alemanha, Ch. Wolff (+1754), Emmanuel Kant (+1804). Juntamente com estes filósofos, uma fonte, um tanto diversa, de reflexões concorria para alimentar a mentalidade naturalista: eram os numerosos relatos de viagens a terras pagãs espalhados pela Europa na mesma época; formou-se entre os ocidentais, por inspiração desses escritos, a lenda, muito explorada por Voltaire, do «Bom Selvagem», dotado de todas as virtudes; começou a ser admirado e apregoado o pagão honesto ou o pagão santo, ao lado do cristão santo. Nos redutos mais intimamente católicos, a mentalidade sobrenatural ainda foi atrofiada de maneira especial por outro veneno, isto é, pela heresia jansenista (séc. XVII/XVIII): esta professava enorme distância entre Deus e o homem, como se a natureza humana após o pecado original estivesse totalmente viciada e incapaz de praticar o bem. O jansenismo, sem dúvida, muito contribuiu para que os fiéis se alheassem dos sacramentos, canais da graça, e para que se laicizasse ou embotasse a consciência sobrenatural do povo cristão.
1) o racionalismo de teólogos (Hermes, Günther...) que, em parte por razões apologéticas ou para atrair pensadores não-católicos, pretendiam fazer das proposições de fé a conclusão de raciocínios, de modo a encobrir o caráter sobrenatural da Revelação cristã; 2) o fideísmo ou tradicionalismo, segundo o qual a razão não tem interferência na aceitação da mensagem cristã; esta se imporia exclusivamente por autoridade, quase como algo de estranho ao raciocínio.
Rejeitando um e outro extremo, os Padres do Concilio do Vaticano lançaram as bases para se conceber nos tempos presentes a autêntica síntese de razão e fé ou de ardem natural e ordem sobrenatural.
1) S. Pio X promoveu, antes do mais, a frequentação assídua, até mesmo cotidiana, da S. Eucaristia. Falsamente guiados pelo Jansenismo, que propunha a S. Comunhão como prêmio mais do que como remédio, os cristãos, imbuídos de temor, poucas vezes se aproximavam da mesa sagrada, sofrendo os desastrosos efeitos da subnutrição espiritual. — Eis, porém, que a volta à S. Comunhão suscitou nova estima da S. Missa e, conseqüentemente, da S. Liturgia em geral. Daí dizer-se que Pio X foi um dos grandes pioneiros do movimento litúrgico, que até hoje se tem tornado benemérito por favorecer a participação dos fiéis nos ritos sagrados, principalmente na S. Missa; muito citadas são as palavras do Pontífice : «É preciso não cantar nem rezar durante a Missa, mas cantar e rezar a Missa». O movimento litúrgico é, sem dúvida, uma das expressões mais notáveis da volta às fontes.
Escrevia ainda o Pontífice em 1905: «Já que nosso mais vivo desejo é que o verdadeiro espírito cristão volte a florescer de todos os modos e permaneça em todos os fiéis, é necessário prover, antes do mais, à santidade e à dignidade do templo, onde os fiéis se reúnem justamente para sorver tal espírito em sua fonte primeira e indispensável, isto é, na participação ativa nos santos mistérios assim como na oração pública e solene da Igreja» (Pii Pontificis Maximi Acta. Roma 1905, 77). Como sugerem estas palavras do Santo Padre,
2) A renovação da vida litúrgica não pode deixar de implicar imediatamente a renovação da arte sacra.
«A liturgia é o ponto de encontro de todas as artes. Declínio do espírito tradicional do Cristianismo acarreta necessàriamente declínio das artes religiosas. Reerguer este espírito e de novo aproximá-lo da sua fonte seria simultaneamente promover a restauração da arte religiosa» (O. Rousseau, op. cit. 151).
3) A celebração decorosa da Liturgia é, por sua vez, inseparável do uso das Escrituras. A função sagrada por excelência — a S. Eucaristia — é tradicionalmente acompanhada de uma moldura bíblica, ou seja, do sacramentai da Palavra de Deus. É o que explica, tenha S. Pio X dado impulso igualmente a um movimento de volta à leitura mais assídua e fecunda da Escritura Sagrada. Esta, durante o séc. XIX, tornara-se um dos setores prediletos da critica racionalista, que desvirtuava o conteúdo sobrenatural do Livro de Deus ; a fim de preservar tal patrimônio e dá-lo como alimento substancioso ao povo cristão, Pio X criou o Pontifício Instituto Bíblico em Roma.
4) Por fim, ao mesmo Pontífice se deve .também a renovação da catequese ou dos métodos de ensinar a doutrina sagrada. O Santo Pontífice desejava fossem estes métodos mais influentes na vida dos discípulos; as suas exortações despertaram a atenção de benemérita série de mestres, que até nossos dias se esforçam por aplicar os recursos da psicologia e da pedagogia modernas à transmissão da Palavra de Deus. Eis, em rápido esboço, quanto se deve à atividade de S. Pio X em favor da renovação cristã.
Tais mal-entendidos eram naturais, pois se tratava de conceber, de novo e nos termos mais autênticos, algumas notas características da vida cristã, após séculos de subnutrição espiritual. Por disposição da Providência, porém, partidários e adversários dos movimentos de renovação prestaram-se mútuos serviços, pois ajudaram uns aos outros a perceber em que consistia a intenção dos Sumos Pontífices e, por conseguinte, qual o genuíno programa a executar: verificou-se que não se tratava em absoluto de revolução nem mesmo de inovação (1) neste ou naquele setor da Igreja, mas que, ao contrário, qualquer autêntico revigoramento da vida cristã só pode consistir em se trocar uma tradição recente, circunstanciada pelos fatores contingentes de determinada época, por outra tradição mais antiga, não condicionada por elementos contingentes, mas ditada diretamente pelas fontes e pela estrutura mesma do Cristianismo; qualquer revigoramento da cristandade só pode consistir em continuar a mais genuína tradição ou a mais genuína das modalidades da Tradição (está claro que não de maneira mecânica, mas de modo plástico, adaptado, sem desvirtuamento, às circunstâncias da época em que vivem os cristãos).
(1) Note-se a diferença entre «inovação» e «renovação». Renovação significa volta ao que era inicialmente, ao passo que inovação designa o início sem precedentes.
Cerca de meio-século após os inícios da renovação, o Sto. Padre Pio XII punha termo final à fase das experiências e incertezas: as suas encíclicas e leis referentes à Liturgia, ao canto sacro e aos estudos bíblicos consolidavam a maturidade a que chegara o povo de Deus nesses assuntos. Repelindo exageros unilaterais, S. Santidade tornava os movimentos litúrgico e bíblico movimentos de toda a cristandade, a ser encabeçados pelos bispos e estendidos a todos os fiéis. Conseqüentemente hoje em dia não se hesitará em afirmar que os cristãos, para poder ser sal da terra e luz do mundo (como, aliás, o mundo mesmo, tácita ou explicitamente, espera), se devem nutrir abundantemente dos grandes mananciais da vida sobrenatural : os sacramentos e-'os sacramentais ou, esmiuçando um pouco, a S. Eucaristia (recebida dentro da S. Missa, de que participem todos os presentes, ativa e comunitàriamente) e a S. Escritura apresentada pela palavra viva da Igreja.
3) E quais as notas características dessa vida cristã revigorada por novo contato com as fontes ?
A estrutura de pensamento e ação que se deriva do contato assíduo com as fontes da espiritualidade cristã apresenta suas notas típicas, que vêm a ser as notas da própria piedade oficial da Igreja. Ei-las:
1) RELIGIÃO, primariamente e por excelência, é LOUVOR DE DEUS. São Paulo lembra aos Efésios (1,6) que o homem foi criado «para louvar a magnificência da graça de Deus». Isto quer dizer que a criatura humana só se realiza plenamente devotando-se ao Criador ou ultrapassando-se a si para procurar viver em Deus e de Deus; é servindo a Este que o homem reina.
a) o conceito de serviço mercenário ou interesseiro. A Religião praticamente não seria senão o sistema apto para promover os interesses temporais do homem; Deus apareceria como o Grande Banqueiro com o qual a criatura tem que estar em boas relações, oferecendo-lhe seu culto, para obter saúde, dinheiro, emprego, sucesso na vida, etc. Tal é a estrutura da religiosidade infantil ou também decadente. — Verdade é que, segundo o Cristianismo, o homem, ao servir a Deus, não se pode desinteressar de sua salvação e felicidade eterna; o quietismo dos místicos do séc. XVII, que apregoavam tal amor puro ou desinteressado, foi condenado como heresia. Deixando de viver em função de si mesmo para se entregar ao plano, por vezes misterioso, de Deus, o homem vai encontrar sua personalidade realizada ou consumada em Deus. Isto, porém, está longe de significar que a criatura deva fazer do próprio eu o ponto de convergência das suas relações com o Senhor. b) O conceito de religião moralizante. A Religião já não visaria prover o homem de bens materiais, mas. sim, de valores éticos. Religião seria o sistema ideal de policiamento dos costumes ou um esteio da morigeração da sociedade e dos indivíduos, pois quem tem religião costuma não matar, não roubar..., e pratica a caridade. '' Estas duas noções de Religião são falhas em virtude da sua índole antropocêntrica; a prática religiosa, em última análise, giraria em torno do homem, e não de Deus; após todo o seu esforço religioso, a criatura encontraria a si mesma, e não o Senhor Deus.
2) Dentro da Religião autenticamente concebida, a santificação do homem não é senão a efusão e o desenvolvimento da vida de Deus nas almas e nos corpos. Em outros termos: a face primária de Deus é a do «Pai nosso, que está nos céus», e a definição (por assim dizer) do cristão é a de «filho de Deus (por graça)». Desde o Batismo, o cristão está envolvido no fluxo e refluxo de vida das três Pessoas divinas; possui o Espírito do Filho, que o torna irmão de Cristo e, com Cristo, o faz voltar ao Pai; cf. Gál 4,6; Rom 8,15. Ao afirmar que Deus é Pai, o cristão professa que Deus é Amor, é mesmo o Amor que primeiro amou a criatura, tirando-a do nada e remindo-a; somente em função do Amor, e por Amor, é que Deus quer aparecer também como Legislador e Juiz do homem.
3) A fonte primária da santificação, concebida nos termos acima, são os sacramentos. É o que diferencia a santificação cristã de qualquer empreendimento estóico ou pagão ou ainda de qualquer tentativa pelagiana ou antropocêntrica: o dom de Deus precede a ação do homem; os sacramentos não são apenas prêmio da virtude, mas também remédio eficaz para a consecução e conservação da mesma. Disto se segue o notável apreço que a renovação cristã consagra à freqüentação assídua dos sacramentos; as grandes verdades da teologia sacramentária, as fórmulas e cerimônias do Ritual, segundo as instruções de Pio XII, têm de ser, de maneira adaptada e reverente, levadas ao conhecimento dos fiéis, para que estes possam nutrir sua vida espiritual com o alimento mais sólido. A piedade pouco revigorada pelos sacramentos corre o risco de se perder em práticas exuberantes ou exóticas (procura de milagres ou sinais extraordinários, visões fantasistas, etc.), que pouco ou nada mais têm de cristão
Dentre os sacramentos, a Eucaristia ocupa posição central. O aspecto primário da Eucaristia é o de sacrifício — sacrifício do Calvário tornado presente (não repetido, mas também não simplesmente evocado) na S. Missa. A consciência do imenso valor da Missa — ação do Cristo que envolve todo o Corpo Místico e cada um dos fiéis em particular — explica, hajam os Sumos Pontífices promulgado nos últimos tempos numerosas instruções que visam fomentar a participação dos fiéis no sacrossanto rito do altar: as autoridades eclesiásticas têm, sim, promovido a dialogação e o canto da Missa ; têm outros- sim inculcado que a S. Comunhão é parte integrante da Missa ou a resposta de Deus a um ofertório prévio da criatura ; o S. Padre Pio XII, na encíclica «Mediator Dei», lembrava mesmo a conveniência de que o povo cristão comungue com hóstias consagradas na mesma Missa. À luz destas verdades, as formas particulares de devoção à S. Eucaristia (visita ao SSmo. Sacramento, exposição e bênção eucarísticas, procissões teofóricas, etc.) são praticadas pelos fiéis em espírito de união com o S. Sacrifício da Missa, como preparação ou continuação do ato de entrega com Cristo ao Pai que neste rito se realiza.
Com a participação da S. Missa está ligada a estima do ciclo litúrgico e do domingo. A Sta. Sé tem remodelado as rubricas do Missal e do Breviário intencionando dar maior realce à celebração dos grandes temas da Redenção: Advento (preparação para a vinda do Redentor), Natal, Epifania, Quaresma, Paixão, Morte, Glorificação do Senhor e Pentecostes. O percurso destas etapas dá moldura característica à celebração da S. Eucaristia, imprimindo modalidades próprias à piedade da Igreja. É desejo da autoridade eclesiástica que êstes aspectos sucessivos se impregnem na mente dos fiéis, inspirando a oração coletiva e particular dos mesmos. — Quanto ao domingo, dia do Senhor, os cristãos bem formados procuram valorizá-lo como verdadeiro dia de renovação espiritual, renovação decorrente, em primeira linha, da participação da S. Eucaristia.
4) O cumprimento dos preceitos e a prática das virtudes são a conseqüência lógica da freqüentação dos sacramentos; são o desdobramento do rito ou da graça sacramentai na conduta dos fiéis. Isto equivale a dizer que toda a ascese cristã é ascese sacramentai, ou ainda: é a realização continuada da morte e da ressurreição com Cristo de que o Batismo e a Eucaristia dão o gérmen. Para o cristão, seria utopia querer ser virtuoso independentemente de intensa vida sacramental.
5) A volta às fontes implica outrossim, nos fiéis, novo surto da consciência comunitária ou da estima à Igreja. O «vibrar com a Igreja» (sentire cum Ecclesia) é norma capital para o cristão. Este sabe ver na Igreja não apenas uma sociedade jurídica, nem unicamente uma hierarquia de membros organizada, à qual ele seria alheio, qual crítico observador, mas o Corpo Místico de Cristo, do qual cada discípulo do Senhor se torna membro vivo ; cada um é, no lugar que Deus lhe assinalou, responsável pela configuração humana da Santa Igreja ou do Cristo prolongado na terra; o cristão, por conseguinte, não distingue entre «amor a Cristo» e «amor à Igreja», alegando poder servir ao Senhor sem aderir à Igreja. Nem difama a Igreja, como o filho não difama sua mãe; ao contrário, sente-se solidário com esta em tudo que diz respeito aos interesses da mesma. Tal é, aliás, a atitude ditada pela freqüentação da S. Eucaristia: a comunhão com o Corpo Eucarístico de Cristo implica necessàriamente comunhão com o Corpo Místico ou com a S. Igreja; unir-se àquele é unir-se também a este.
Tal concepção tem logicamente sua repercussão na vida de oração dos fiéis: estes, desde que compreendam algo do mistério da Igreja, procuram orar com Ela, familiarizando-se com as fórmulas da sua oração oficial, principalmente com as do Missal e do Breviário (existem hoje em dia edições simplificadas das chamadas «horas canônicas» ou do Breviário, para uso dos leigos); comparecendo a um ato de culto público, unem-se à comunidade orante, sem se isolar em formas de devoção individualistas. De maneira geral, o espírito da Liturgia sugere aos fiéis, façam suas as grandes aspirações da Sta. Igreja (a dilatação do Reino de Deus, a conversão dos pecadores, a extirpação dos erros, etc.), rezando explicitamente por essas intenções, e não apenas pelas de seu interesse particular.
Não há, aliás, oposição (como talvez outrora se julgasse) entre «piedade objetiva» (a piedade da oração pública e litúrgica) e «piedade subjetiva» (a piedade de inspiração pessoal particular);, embora reze em comum, o cristão deve orar de maneira consciente, isto é, exercendo sua fé e sua caridade pessoais; a comunidade cristã é comunidade.de pessoas, e não dissolução de indivíduos em um todo amorfo. Ademais a oração litúrgica, a qual goza da excelência de prece oficial da Igreja, ficaria destituída de sua plena eficácia nas almas, se não fosse preparada e assimilada pelas práticas da meditação e da oração particular. Eis como a respeito se exprime o S. Padre Pio XII na enc. «Mediator Dei»:
O amor à Igreja, desde cedo na espiritualidade cristã, esteve associado à devoção a Maria SSma. Esta, por sua maternidade virginal, se tornou protótipo e miniatura da Igreja, Mãe virginal, da qual nasce continuamente o Cristo Místico ou o Cristo nos membros de seu Corpo prolongado.
6) A renovação da piedade tende a gerar nos fiéis uma concepção sacral do mundo e da vida humana. Nada é profano (ou neutro, do ponto de vista religioso) aos olhos do cristão; desde que o Filho de Deus, encamando-se, tocou a matéria do mundo, esta adquiriu a capacidade de ser sinal do Divino, participando de índole sagrada ou religiosa.
Foi esta concepção que, no decorrer dos séculos, impeliu a S. Igreja a instituir os sacramentais, isto é, ritos sagrados (em geral, bênçãos), os quais estendem os efeitos da Redenção ao ambiente onde vive o cristão e aos objetos com os quais ele lida na vida cotidiana, a fim de que os fiéis continuem a obra do Redentor em toda e qualquer de suas atividades (no lar, na oficina, no escritório, na rua, etc.), por mais profana ou «leiga» que essa atividade pareça. A S. Igreja benze alimentos, vestes, até mesmo automóveis e os aparelhos mais modernos da técnica, a fim de que, usando de tais coisas, o cristão não o faça como o não-cristão, mas até por essas vias dilate o Reino de Deus na terra. — Convém, pois, que os fiéis recorram, e recorram conscientemente, aos sacramentais.
7) Por último, acrescentar-se-á que a volta às fontes impele o cristão a procurar adquirir uma cultura religiosa cada vez mais sólida. A piedade é tanto mais profunda, tanto menos sujeita às aberrações da fantasia, do sentimentalismo adocicado ou da falsa mística, quanto mais é nutrida pela Verdade. O cristão deve esforçar-se por aprofundar a Palavra de Deus (referida tanto nas Escrituras como na Tradição oral), fazendo uso dos meios (leituras, práticas, cursos) que a Providência Divina lhe ponha ao alcance. Não julgue que tal aprofundamento deva ser privilégio de determinados grupos (clérigos, Religiosas, núcleos especializados de Ação Católica...) ; também não rejeite, em nome de falsa humildade, uma boa formação dogmática, moral e bíblica, ministrada de acordo com a sua respectiva capacidade. Sta. Teresa de Ávila muito prezava o valor de boa cultura teológica para o progresso na vida de oração !
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